quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

CRÍTICA DA RAZÃO CONSENSUAL ( oitava parte) F. Engels e a Dialética da Natureza

 

CRÍTICA DA RAZÃO CONSENSUAL ( oitava parte) F. Engels e a Dialética da Natureza

Prolegómenos sobre a Ontologia

A interrogação mais fundamental de todas foi desde sempre a seguinte: O que é a realidade? Qual a relação entre o Ser e o Pensamento?

A questão ontológica não é um ato gratuito e absurdo. É o ato supremo da Razão. É o começo da filosofia. Pode-se duvidar da realidade independente do mundo fora da mente. Para afirmar certezas é necessário pensar. 

Qual a relação entre o Ser e o Pensar? Que entendo por Ser?

É tudo que não é puro constructo mental. A Natureza, os corpos, as coisas materiais. Formulação que tanto admite que o Pensamento não é o Ser de modo algum (ainda que dele participe), como o contrário: o pensamento é um efeito derivado dos corpos e da natureza. Suponha-se que o Ser é o Universo, então o Pensamento, ou parte dele (Espírito, Alma), seria, para alguns, algo completamente distinto, sobrenatural. Ora, todas as provas e indícios têm vindo a demonstrar que o Ser (natureza e sociedades) é o que é tudo e nada se verificou existir para fora. O Pensar é uma atividade cerebral e social. É uma atividade, entre outras, conhecidas e desconhecidas, do universo (Matéria-Energia). Uma entre infinitas atividades. O universo é a única substância com infinitos atributos, atuais e possíveis. O universo material é o Todo, contém tudo e nada mais pode existir que não seja seu atributo. Em biliões de galáxias não existe seguramente apenas o pensamento humano. Sem este universo, nas condições em que se formou, se cria a se destrói, sem as estrelas que forneceram os ingredientes básicos da vida, sem as condições físicas que permitiram que neste pequeno planeta a vida sobrevivesse até hoje, o ser humano  não existiria. Sabemos que a existência da nossa espécie é recente e que outras espécies se extinguiram.

Se hoje parece-me ser um erro muito pouco ingénuo afirmar-se o primado onto-gnosiológico (nalguns casos até a anterioridade) das ideias sobre a Matéria (ou Energia, Natureza), perante o quadro geral que as ciências nos oferecem, porque motivos grandes filósofos defenderam essa resposta? Entre outras razões pela ausência da Ciência e pela posição egocêntrica do filósofo. De resto, O pensar humano é espontaneamente antropocêntrico. Jugamo-nos oriundos doutra forja, quando, de facto, outras espécies, possuem dispositivos cerebrais próximos dos nossos. Vamos conhecendo os elos da longa cadeia que liga umas às outras, destronando a crença de que fomos iluminados subitamente por deuses alienígenas.

Foi e é um erro de determinadas conceções rejeitarem a Ontologia com o argumento de que é metafísica inútil. Deve-se abandonar o método metafísico de análise, mas não se pode fazer de conta que o problema ontológico não existe mais. A menos que se queira fazer passar a mensagem conformista de que “o que é, é, e não vale a pena questionar”. Para o marxismo, abandonar a Ontologia é abandonar o plano da Contradição imanente à realidade em devir.

Com certeza que a resposta que avancei acima às interrogações fundamentais não tem que ser a única (nem jamais o será), verdade absoluta. Ignorar a diferença é prova de fraqueza ou de arrogância. Queimar bibliotecas é uma pura abominação.

O filósofo M. Heidegger não começou (a questão principal no método está no começo) pelo Todo, pela Natureza cósmica, pelo seu primado criador, mas pelos significados que atribuiu à existência humana. Atribui-se um determinado sentido à existência humana, e é apenas isso que importa para a fenomenologia, corrente filosófica que se interessa apenas pela interpretação. Abandona-se a práxis.

Que corrente filosófica desprezou a ontologia? O positivismo. Seguir-se-ia uma larga parte dos estruturalistas e, por fim, da maioria dos chamados pós-modernos. Um célebre filósofo marxista fez confinar o materialismo dialético a uma teoria do conhecimento e nada mais. O propósito de muitos “pós-modernos” vai mais longe: foi, continua a ser, eliminar definitivamente a filosofia marxista, classificada como uma das “narrativas metafísicas” da Modernidade. A Filosofia é, assim, uma luta permanente entre tendências, “linhas” ou “partidos”. Materialismo versus idealismo. Essa luta exprime, quer veladamente quer não, opções políticas, teses teóricas com efeitos políticos. Martin Heidegger, por exemplo, que define o homem como “um Ser-para-a-sua-morte” porque é o único ente que imagina o seu futuro, questão sem dúvida alguma legítima e racional, envolveu-se com o nazismo e a sua filosofia posterior ficou marcada pela derrota. O modo como se interpreta a realidade é também político.

Tratamos até aqui da Ontologia e opomo-la ao método metafísico de explicar as coisas.

No começo temos dois caminhos à escolha:

 Começar pelo particular (o homem, o sujeito ou a subjetividade) ou pelo universal. Um ente singular ou o todo geral (o Ser).

Os inconvenientes do começo pelo Todo: sujeita-se à crítica de Kant (antinomias da Razão Pura) e não se permite ignorar a crítica de Heidegger à metafísica e de quase toda a filosofia contemporânea. Se, ao invés de Todo utilizar-se um conceito de Ser, encontramos um determinado conceito de Ser em Heidegger e em Deleuze.

O acerto: entenda-se o Todo como totalidade de totalidades; tudo que conhecemos até hoje do nosso universo (astrofísica, física quântica, etc.), a sua origem e o seu desenvolvimento; a história do nosso planeta; o desenvolvimento da matéria orgânica; as extinções de diversas e sucessivas formas de vida até ao aparecimento casual do homo sapiens. Argumento: Se ontologia significa “ O que é o Ser?”, esta é, julgo eu, a resposta mais conforme à Ciência: O Ser é todo este universo com a nossa galáxia e biliões delas, com o nosso planeta entre uma multidão incalculável de planetas, a matéria viva. Um Todo em movimento, com um começo e muito provavelmente um fim. O nada absoluto não é e o fim absoluto da Matéria também não.

Os inconvenientes do argumento pelo particular: nada é em absoluto singular; sem o geral não existe ciência; a parte é parte de algo maior; cada indivíduo é uma meada de relações com a natureza e a sociedade.

Vejamos: quem usa nomes como o de “Natureza”, é um ser dotado de linguagem e capaz de operações mentais. Os nomes do Ser (Natureza, Matéria, Universo) possuem todos os predicados fornecidos pela Ciência. A mente é parte inclusiva do corpo e, este, parte inclusiva do mundo natural e social. A mente reflete o mundo externo. As operações mentais e os comportamentos dependem das características adquiridas pela espécie, dos processos de socialização, da ação e dos modos como cada um assimila e organiza, dos papéis que desempenha e do lugar que ocupa numa determinada formação social.

Entre velhas e novas contradições, velhos e novos enigmas, a ciência prossegue o seu caminho rejeitando como mistificações, ilusões ou erros, as teses fundantes do idealismo de Platão e seus seguidores, tal como Galileu derrotou a física aristotélica. Não ficou tolhida com o empirismo absoluto de Berkeley, o inatismo cartesiano, o apriorismo de Kant, a Consciência Absoluta de Hegel. A Ciência move-se entre o erro e o acerto, os obstáculos que se lhes põem e as servidões que se lhes impõem. Decifram-se enigmas milenares. A melhor prova é a experimentação e a prática. Contudo, um reparo: se as soluções que grandes filósofos defenderam para a problemática ontológica não são mais admitidas (o mundo das ideias de Platão, as “provas” da existência de Deus e da imortalidade da alma, as ideias inatas, a realidade como sendo apenas aquilo que perceciono, as categorias kantianas a priori do entendimento), não nos permite que ignoremos a influência profunda que exerceram, sem eles o saber ficaria gravemente amputado. Muitos foram materialistas e cientistas. Proibindo-se a filosofia, livre expressão do pensamento, e a sua história, o resultado seria um retrocesso civilizacional para um mundo obscurantista e  no qual  seria venerada como verdade absoluta uma única doutrina. A história conheceu guias dos povos, mais distópicos que utópicos, que aplicaram a receita com as consequências assustadoras que conhecemos.

A resposta ao problema ontológico (materialismos/idealismos) transporta-nos inevitavelmente para o problema gnosiológico: o que conhece? Como se conhece? O materialismo implica necessariamente uma resposta: conhece-se a realidade material independente da nossa consciência; o conhecimento é um reflexo da realidade no cérebro, através, fundamentalmente, da mediação da práxis.

Das respostas às questões ontológica e gnosiológica dependem as posições que tomamos face à ética, à política e ao direito. Na política, por exemplo, a opção pelo materialismo dialético conduz necessariamente à conclusão, que parece evidente, de que a interpretação dos fenómenos não basta para os transformar. E quanto melhor uma teoria explicar o mundo melhores hão de ser os meios para o modificar.

A dialéctica da Natureza em discussão

 O livro  Dialéctica da Natureza, de F. Engels, é constituído por um conjunto de textos escritos para responder a situações políticas que exigiam a sua intervenção imediata. Imperativos políticos. Após a morte do seu grande amigo, Marx, Engels fica sozinho nesse combate de defender o movimento social-democrata alemão das tergiversações. O marxismo é hegemónico, adotado com sua ideologia pela II Internacional, o prestígio de Engels é enorme. Na realidade, porém, o marxismo ainda não se completara com uma ideologia comunista. Circulavam teorias heterogéneas no Movimento socialista, livros que pretendiam completar, corrigir ou mesmo atacar a teoria de Marx, teorias medíocres apresentadas como a última palavra sobre o socialismo. O Capital, de Marx, entretanto em publicação, não supre as necessidades teóricas do Movimento, pela dificuldade de leitura. Cientistas e outros menos divulgam apreciações que colidem com as convicções filosóficas de Engels. O Anti-Dühring , de Engels, é uma peça fundamental no seu combate contra o que entendeu serem teorias políticas perigosas e erróneas nos planos filosófico e científico: o empirismo, o naturalismo, o materialismo grosseiro. Teses que conduziam a desuniões e desviavam o Movimento das suas finalidades revolucionárias.

Contra os “naturalismos” (expressão de Engels) é preciso completar o edifício da filosofia marxiana. Com quê? Com uma filosofia da natureza. Na Dialética da Natureza Engels combate o método “metafísico”, opondo-lhe o método dialético, o qual é comprovado pelas ciências, ele mesmo é o método científico por excelência. A filosofia é se for metafísica ou simplesmente desnecessária quando a ciência experimental é preferível. Da filosofia guarda-se o que ela possui de mais valioso: o método dialético, aplicado a todas as áreas do saber, método que reflete as propriedades objetivas do mundo físico e social. O marxismo (expressão que Engels não utiliza), isto é o materialismo histórico e dialético, não se circunscreve às ciências sociais, à política, abrange as ciências da natureza. Trata-se, portanto, de demonstrar que a dialéctica é também natural, é a natureza na sua totalidade, rege-se por leis também dialéticas (Engels não nega evidentemente que outras leis expliquem o movimento dos corpos). Recusa e critica o uso do termo “forças”, é mais adequado falar-se em “energia”. Matéria equivale a massa e energia. A essência da Matéria é o movimento ou Energia. Esta manifesta-se de diversos modos. A Energia é indestrutível, 1ª Lei da Termodinâmica.

A filosofia marxista é o materialismo dialético. O segundo termo – dialética – faz toda a diferença com os filósofos e cientistas que são materialistas, com mais ou menos consciência disso, porém recusam o socialismo. A meu ver ser materialista não é raro no domínio das ciências, e menos raro ainda quando não se filosofa sobre isso, uma espécie de materialismo espontâneo (G. Bachelard). Porque não basta ser-se materialista para consequentemente se ficar de mal com o capitalismo… Além disso, não é o próprio marxismo variegado?

Um outro problema: F. Engels abandonou a filosofia? Toma ou não posições contraditórias, por um lado, na Dialética da Natureza e, por outro, em L. Feuerbach e o Fim da Filosofia clássica alemã? Reserva para a filosofia apenas a lógica, isto é a dialéctica, ficando tudo o mais a cargo das ciências “positivas”? Ou há nas duas primeiras obras elementos para uma ontologia marxista? E se a filosofia se confinar à lógica, como parece defender na Dialética da Natureza, para quem fica a ética e o direito que Engels, afinal, tão bem analisa no Anti-Dühring ? São estas áreas tarefa que cabe à ciência? Todavia, a ética, estética, política, não são ciências particulares…

Dialética da Natureza – Desde 1873 que Engels projetava escrever uma obra sobre a dialética da natureza (conforme correspondência com Marx), mas desde 1858 o seu interesse manifestava-se quanto a um estudo aprofundado das ciências naturais. O propósito que o orientava era a crítica do “método metafísico” e a exposição das categorias do método dialético. A “dialética racional” do materialismo filosófico, “despojada de todo o misticismo converte-se em uma necessidade absoluta para as ciências naturais (manuscritos da Dialética da Natureza, esboço com o título “Büchner”). Em 1873 projetava escrever, antes do Anti-Dühring , um “Anti-Büchner”, materialista vulgar. Depois de publicar a 1ª edição do seu Anti-Dühring  (1878) Engels trabalha na Dialética da Natureza. A morte de Marx em 1883, a imperiosa edição dos tomos segundo e terceiro de O Capital, as tarefas políticas na II Internacional, impedem que ele organize os materiais. A sua morte em 1895, impede de vez a publicação. Esquecidos os manuscritos, a obra só sai em Moscovo em 1925, a versão alemã e russa. Nova edição, amplamente corrigida, em 1927, em alemão. Demasiado tardia: a enorme projeção e prestígio de Engels desde o desaparecimento de Marx (muito maior do que do próprio Marx) viria a esmorecer desde 1914. A Dialética da Natureza é, pois, uma coleção de manuscritos, alguns inacabados, versando variados assuntos das ciências naturais: Formas de movimento da matéria; Classificação das ciências; Matemáticas; Mecânica e Astronomia; Física; Química; Biologia, e capítulos de grande importância sobre Dialética. Nada do que afirma sobre temas das ciências (as marés, o calor, a eletricidade, etc.) perdeu interesse ou é erróneo; apresenta-nos intuições penetrantes sobre as teorias mais avançadas; defende o papel pioneiro dos filósofos na explicação da natureza, nomeadamente Kant; desenvolve um estudo genial sobre o papel do trabalho que fez escola até hoje (“ O papel do trabalho na transformação do macaco em homem”), no qual G. Lukács se inspirou para o seu último trabalho “Para uma ontologia do ser social” (1971), pese embora o facto de sempre haver preterido a Dialética da Natureza... Embora não possamos tratar aqui de toda a produção de Engels, é mister dizer que o seu enorme génio revela-se no carácter pioneiro das suas obras: A origem da família, da propriedade privada e do Estado, para citar só esta. O Anti-Dühring é outra obra notabilíssima, com varias edições ainda em vida de Engels. Na Primeira Parte trata da filosofia da natureza; da moral e do direito (Liberdade, igualdade e necessidade); da dialética. Nas duas restantes trata da teoria da violência; das descobertas de Marx (Teoria do valor, capital e mais-valia, etc.); do socialismo (produção, distribuição, Estado, família, educação). A sua leitura acompanhada é uma tarefa saudável, sobretudo para os mais novos.

No “Prefácio” à 2ª edição do Anti-Dühring e no chamado “Velho Prefácio” coligido para a Dialética da Natureza (título com que foi editado pela primeira vez em russo) Engels estende as leis da dialética à natureza, com o propósito de não deixar nada de fora do materialismo histórico. Uma filosofia geral, uma ontologia para todos os efeitos. No capítulo “Dialética”, (manuscrito da Dialética da Natureza), expõe três leis gerais: lei da mudança da quantidade em qualidade, e vice-versa; lei da penetração dos contrários; lei da negação da negação. Refere que as três leis haviam sido desenvolvidas por Hegel, “à sua maneira idealista, como simples leis do pensamento”. Estaline não incluiu a “lei da negação da negação” nas leis da dialética (O Materialismo Histórico e o Materialismo Dialéctico, Moscovo, 1951), mas cita largamente Engels no respeitante às “mudanças qualitativas” que “não são graduais, mas rápidas, bruscas e se verificam por saltos” o que permite conceber a natureza e a sociedade como “um desenvolvimento que vai do simples ao complexo, do inferior ao superior”. Estaline clarifica posições no âmbito das disputas marxistas que separam a filosofia soviética do chamado “Marxismo Ocidental”, sobretudo na admissão, ou não, de uma filosofia da natureza. Ora, em Engels, a” lei da negação da negação” (capitulo do Anti-Dühring) é a principal lei do desenvolvimento, enquanto para Estaline era a da “mudança da quantidade em qualidade”. Curiosamente o “marxismo ocidental” pensava aqui como o seu arqui-inimigo…

V.I. Lenine defende teses concordantes com as de Engels na Dialética da Natureza, no seu livro Materialismo e Empiriocriticismo, veja-se, por exemplo, o valor cimeiro que atribuem ambos à categoria de Movimento (“auto-movimento, insiste Lenine). Ora, o livro de Lenine é de 1909, não conheceu, portanto, a Dialética da Natureza! No seu texto Karl Marx (publicado pela primeira vez em 1915) cita Engels do Anti-Dühring com comentários elucidativos: “A natureza é a comprovação da dialética, e devemos dizer que as ciências modernas da natureza nos forneceram materiais extremamente numerosos”( e isto foi escrito antes da descoberta do rádio, dos eletrões, da transformação dos elementos, etc.!) “cujo volume aumenta dia a dia, provando assim que, em última análise, na natureza as coisas se passam dialeticamente, e não metafisicamente”.

A Dialética da Natureza, sobretudo no capítulo que referi acima, provocou controvérsias que ainda não encontraram consenso. É simples metafísica? Pura especulação abstrata sobre as “leis do ser”? A minha posição já apresentei-a no início: não faz sentido algum que categorias centrais como o desenvolvimento perpétuo e descontínuo que exprime uma história de transformações umas vezes lentas e graduais, outras, bruscas e profundas, apenas se aplique às sociedades e não à natureza, o “movimento, no sentido geral da palavra, concebido como uma modalidade ou um atributo da matéria, abarca todos e cada um das mudanças e processos que se operam no universo, desde o simples deslocação de lugar até ao pensamento”( Dialética da Natureza, Formas fundamentais do Movimento”). “A terra devêm, desenvolve-se e perece” (idem). A Matéria (Energia) é eterna. “Pela mesma férrea necessidade com que um dia desaparecerá da face da terra a sua floração mais elevada, o espírito pensante, voltará a brotar em outro lugar e em outro tempo” (Introdução). Apenas coloco sérias reservas à aplicação, por alguns marxistas, da fórmula redutora “tese-antítese-síntese” como lei da natureza. Julgo ser mais adequada a expressão “negação da negação”, pois não me suscita dúvidas e tenho-o como um facto teórico e empírico que a natureza é atravessada por contradições (forças contrárias que ora se equilibram, ora destroem); se a negatividade é uma categoria instante da dialética é de admitir que a superação também se aplique. A Vida foi quase exterminada várias vezes na terra; todavia, superou a catástrofe….O Homo sapiens é uma autêntica superação das diversas etapas e espécies que o antecederam e se extinguiram. As estrelas que pareceriam tudo destruir, forneceram, porém, os ingredientes necessários ao surgimento de planetas habitáveis e da Vida. O que rejeito é a possibilidade de contaminação dessa lei da dialética com a crença teleológica de que tudo se encaminha para uma finalidade superlativa (e boa necessariamente). As catástrofes existiram e continuarão a existir tanto nas sociedades como no universo. Sem muitas delas não existiríamos. Substituiria também a fórmula “desenvolvimento do inferior para o superior” pela expressão “do mais simples ao complexo”, quando falamos de Natureza, pois que me parece que a ideia de “superioridade” é claramente antropomórfica.

Estão ultrapassadas as situações históricas que conduziram às acusações mútuas do “marxismo ocidental” e do “marxismo estalinista”. Mas não está resolvida a querela sim ou não a uma  filosofia da natureza. Se defendermos uma ontologia marxiana (com o contributo inescapável de Engels com quem Marx trocou ideias e acordos) não vejo razão para que essa ontologia não abarque a Natureza. Se o materialismo de Marx- Engels é dialético, e é isso que o distingue de todos os materialismos antigos ou modernos, havemos de admitir que a ontologia é centralmente dialéctica. Não apenas um método construído pela mente, mas um processo de explicação cujas categorias refletem as características dos mundos natural e social; por isso é que são certeiras. É necessário que pensemos que as categorias que Marx e Engels usaram para a construção de uma visão do mundo e da vida foram revolucionárias não apenas na Economia, mas inclusivamente para a Natureza e anteciparam-se, no plano da teoria, a importantes correções dos postulados científicos. É certo que determinados avanços da Ciência ( a revolução operada por Einstein, a física quântica, etc.) obrigariam Engels a corrigir alguns comentários sobre aspetos específicos da Matéria. Não é isso que importa. Não surgiu nada, nem poderá alguma vez surgir suponho, que desminta as afirmações de Engels (e de Lenine) : a unidade material do mundo, o auto-movimento como propriedade essencial da Matéria (Natureza e Vida), as possibilidades de criação do Novo, do mais simples ao mais complexo. A compreensão de que tudo possui uma história, surge e desenvolve-se cada coisa em conexão com outras, numa unidade que vai do mais particular ao mais geral ( a que podemos chamar, aqui, de síntese, sem reservas, união de contrários (Lenine), um processo de desenvolvimento e transformação. Em que é que as ideias de Engels sobre a natureza (e muito provavelmente de Marx) contrariaram a lei darwiniana da seleção natural das espécies, se ele próprio enalteceu a revolução operada pelos livros de C. Darwin, apontando-lhe,contudo, com clarividência a “falta” deste no que respeitava às “causas”? As ideias de desenvolvimento e evolução ( que souberam recolher da filosofia de Hegel), que Marx e Engels formularam para as sociedades com muita antecedência sobre os que se lhe seguiram, constituem um grandioso património da cultura e da ciência. Engels estendeu-as à Natureza (com o acordo de Marx), apoiado na obra de Darwin e nas descobertas da física, química, da antropologia e da geologia. Mas soube contrariar o darwinismo com o conceito de trabalho entre os macacos e os seres humanos (Dialética da Natureza) importantíssima correção às ideias que se divulgavam sobre a evolução (o evolucionismo).  É preciso que a ciência prática se torne uma ciência humana, sem separação entre a vida e a ciência. (Marx, Manuscritos económico e filosóficos).As práticas científicas não estão acima dos interesses da humanidade, do concreto viver humano, da sua emancipação, nem acima dos valores nem da luta de classes. Embora elas sejam autónomas em certo sentido e o cientista teórico não tenha que ser apenas um técnico ao serviço das multinacionais. Em Engels não encontramos é claro uma defesa da ecologia, mas não encontramos a defesa da manipulação destrutiva da natureza, encontramos um vivo interesse pelas teorias da ciência, pelas matemáticas e física, sem lhes impor como único objetivo o da produção, ainda que ele seja fundamental.  Todas as ideias podem ser corrigidas, é mesmo isso o que tem de bom a ciência (ao contrário das metafísicas dogmáticas e das religiões). O darwinismo, por exemplo, não permanece como verdade intocável, nem outro tanto podia suceder com as teses formuladas por Engels.

É o materialismo dialético uma filosofia? Para os jovens Marx e Engels foi com certeza, como se comprova largamente em A Sagrada Família, A Ideologia Alemã, Os manuscritos económico-filosóficos, etc. A questão poe-se na maturidade: deve continuar a ser uma filosofia ou uma ciência, na altura da elaboração final e publicação do 1º tomo de O Capital( obra da ciencia) e dos estudos das ciências naturais por Engels. No Prefácio à segunda edição do Anti-Duhring e no chamado Velho Prefácio da Dialética da Natureza, tece considerações que vamos citar:

“ A investigação moderna da Natureza, a única que levou a um desenvolvimento científico, sistemático, omnilateral” em permanente desenvolvimento desde o Renascimento não impediu, porém, que uma “visão antiquada “, isto é “determinista”, “mecanicista”, dominasse a visão até à primeira metade do século dezanove “e ainda hoje, quanto ao principal é ensinada nas escolas” (Introdução à Dialéctica da Natureza). Falta uma “visão geral” para o qual a filosofia alemã colaborou ( Kant). Falta, embora existam por todo o lado elementos que apontam para a unidade das ciências, união que corresponda, afinal, à unidade da natureza, do mundo e da vida. Faz falta uma teoria que permita unir as ciências na sua complementaridade, fazem falta despectivas teóricas, pois “Se os teóricos são semi-sábios no domínio da ciência da Natureza, os naturalistas modernos são-no, efetivamente, outro tanto no domínio da teoria, no domínio daquilo que até aqui era designado por filosofia”. “A investigação empírica da Natureza acumulou uma tão enorme massa de matéria positiva de conhecimento que a necessidade de a ordenar sistematicamente e segundo a sua conexão interna se tornou pura e simplesmente irrecusável. Do mesmo modo irrecusável se tornou trazer os domínios singulares do conhecimento à sua correta conexão entre si. Mas, para isso, a ciência da Natureza transporta-se para o domínio teórico e aqui os métodos da experiência ( Empirie) fracassam; aqui, só o pensar teórico pode ajudar.”

É neste passo que alguma dúvida surge.

É o materialismo dialético uma filosofia ou uma ciência? Abandona-se a filosofia da Natureza a favor de uma Teoria geral das ciências (a criação de conceitos específicos e gerais que devem ir mais além dos puros dados empíricos) cujo centro é a sua compreensão dialética? Sobra para a filosofia apenas o método dialético, isto é, “as leis do pensamento”?

 

O empirismo desdenha da teoria, o método metafísico congela os conceitos para sempre e não vê como tudo muda : “O pensar teórico de cada época – portanto, também o da nossa – é um produto histórico”. A ciência do pensar é, portanto, tal como qualquer outra, uma ciência histórica. É, portanto, uma ciência, “a ciência do desenvolvimento histórico do pensar humano”, isto é a dialética. A dialética é “para a ciência da Natureza hodierna, a forma de pensar mais importante, porque só ela fornece o análogo e, por isso, o método de explicação para os processos de desenvolvimento que ocorrem na Natureza, para as conexões em geral, para as transições de um domínio de investigação a outro” (Velho Prefácio). “O caráter dialético dos processos da Natureza”. É necessário “chegar do entendimento do singular ao entendimento do todo, à penetração da conexão universal”, entender a Natureza como os filósofos gregos a intuíram: “como todo”.

Parece-me lógica a afirmação Engels: sendo a natureza um todo, em conexão universal, por essa razão as ciências se devem unir e admitir o que é inevitável: o método dialético que, afinal, exprime ou reflete a dialeticidade de todos os fenómenos. Somente desde modo se constrói e assume uma Teoria geral (Teoria da conexão dialética universal), para além das teorias específicas a cada ciência em particular. Ora, visto que o método dialético é científico, essa Teoria Geral é necessariamente científica.

Essa Teoria não é um sistema filosófico, porque “Um sistema da natureza e da história que abarca tudo e contém tudo, está em contradição com as leis fundamentais do pensamento dialético” ( Anti-Dühring, Capítulo “Noções gerais”), diz Engels para classificar o sistema hegeliano como “um aborto colossal, o último do género”, sistema que pretendia ser a expressão de uma verdade absoluta. “o conhecimento sistemático do conjunto do mundo exterior” não significa impor um mundivisão fechada, a verdade absoluta, o fim da história.

O materialismo dialético “não implica nenhuma filosofia sobreposta às outras ciências” (idem).

E eis que avança com a afirmação mais controversa: “Desde o momento em que se pede a cada ciência que dê conta da sua posição no conjunto total das coisas e do conhecimento das coisas, torna-se supérflua uma ciência especial do conjunto: o que subsiste de toda a antiga filosofia e conserva uma existência própria é a teoria do pensamento e suas leis – a lógica formal e a dialética. – Todo o resto se resolve na ciência positiva da natureza e da história”.

Eis, pois, aqui, o motivo da intensa controvérsia que atravessou os marxismos do século passado.

A Introdução à Dialética da Natureza e o “Antigo Prefácio ao Anti-Dühring sobre a Dialética, são textos dos anos 75 a 78, Marx teve conhecimento deles e não se opôs; Engels fez disso referência em mais do que um texto (no Anti-Dühring e em carta a Marx; Em 24 de maio de 1876, Engels escreveu a Marx, dizendo que não havia motivos para iniciar uma campanha contra a propagação das ideias de Dühring. Marx respondeu no dia seguinte, dizendo que Dühring  deve ser muito criticado. Assim, Engels deixou de lado o seu trabalho sobre o que mais tarde se tornaria conhecido como o livro Dialética da Natureza . Em 28 de maio, ele delineou para Marx a estratégia geral que planejava tomar contra Dühring. Levaria mais de dois anos para ser concluído).. Nesta época em que Marx redigia O Capital estava em sintonia com Engels nesta e noutras matérias. O trabalho era explicar cientificamente o Capital e não “filosofar” sobre o capitalismo. O método que utilizou na investigação do Valor e da Mercadoria, foi o materialismo dialético (que havia extraído do sistema hegeliano com a devida inversão). Ora o materialismo dialético e histórico não era e não é uma filosofia como as outras: é científico. Se a natureza e o homem estiveram separados, agora estavam lançadas as condições para uma ciência unitária. Não foi outro, por conseguinte, o propósito de Engels. A filosofia de O Capital é o materialismo histórico e dialético. Tal como o é na Dialética da Natureza e no Anti-Duhring. A prova maior é esse estupendo ensaio “ Quota-parte do Trabalho na hominização do macaco”, que mostra bem o génio científico de F. Engels.

 Não existe contradição alguma entre a sua afirmação de que a filosofia da natureza pode, perante o novo papel insubstituível das ciências naturais e sociais (a começar pela ciência de O Capital), remeter-se a uma teoria científica do conhecimento, à Lógica dialéctica, às leis ou formas do pensamento, e a sua tese sobre a justeza de uma filosofia científica da natureza, isto é uma Teoria que conjugue os dados empíricos num Todo. Teoria Geral que inclua necessariamente o método dialético, na medida em que reflete as leis dialéticas desse Todo. A filosofia que ele rejeita é a especulação extra-científica e o método metafísico.

O problema levanta-se é com um outro texto: Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã.

Diz neste ensaio: “A grande questão fundamental de toda a filosofia, especialmente da moderna, é a da relação de pensar e ser”. “A questão da relação do pensar com o ser, do espírito com a natureza – a questão suprema de toda a filosofia no seu conjunto -, tem, portanto, não menos que do que todas as religiões, a sua raiz nas representações tacanhas e ignorantes do estado de selvajaria”. “Conforme esta questão era respondida desta ou daquela maneira, os filósofos cindiam-se em dois grandes campos. Aqueles que afirmavam a originariedade do espírito face à Natureza, que admitiam, portanto, em última instância, uma criação do mundo, de qualquer espécie que fosse – e esta criação é frequentemente entre os filósofos, por exemplo, em Hegel, ainda de longe mais complicada e mais impossível do que no cristianismo -, formavam o campo do idealismo. Os outros, que viam a natureza como o originário, pertencem às diversas escolas do materialismo”. Este é o significado que Engels utiliza, e não outro, para as expressões “idealismo” e “materialismo”. Esta questão possui um outro lado: “está o nosso pensar em condições de conhecer o mundo real(…)? É a questão “da identidade do pensar e ser”. Este ensaio foi escrito em 1886, portanto já depois de Marx ter falecido (1883).

Existe, então uma “grave” contradição, tão grave que provocou controvérsias e dissidências no século passado, entre o que se convencionou chamar “marxismo-leninismo” soviético ou estalinista ( o chamado Diamat) e “marxismo ocidental”?

Não ma parece que exista. A questão ontológica suprema já fora resolvida com a criação do materialismo histórico e dialético. A resposta à pergunta estava dada, a opção tomada definitivamente. A questão merece conservar-se? No plano da ciência, não tem mais razão de ser. Ou melhor: a questão pode pôr-se, mas a resposta estava dada. A questão era, de resto e no fundo, do interesse dos teólogos, fossem eles padres ou filósofos académicos ideólogos da burguesia. O materialismo dialético demonstrou, culminando a longa sucessão de grandes filósofos materialistas, que não existe Espírito algum fora da natureza e seu criador. No que respeita ao outro lado da “questão suprema, a identidade do ser e do pensar, leia-se o que Engels escreveu nesta obra e em todas outras coerentemente. Recordem-se as famosas e já muito estudadas Teses de Marx contra Feuerbach. A gnosiologia marxiana-engelsiana é claríssima. Lenine, que não conheceu algumas das obras de Marx e Engels, soube expô-las desenvolvidamente no incontornável livro de pura filosofia (Materialismo e Empiriocriticismo), que José Barata-Moura nos explicou no seu Sobre Lénine e a Filosofia. Entre a interpretação gnosiológica de Lenine e a gnosiologia de Marx e Engels não se topa nenhuma contradição. Lembremos apenas que o Trabalho, tão brilhantemente analisado por Engels conforme já referimos, é, entre outras práticas sociais, a principal mediação do homem com a natureza, relação fundamental no processo histórico do conhecimento. Existem conhecimentos verdadeiros? Os nossos atuais “pós-modernos”, ou alguns deles, torcem o nariz quando se fala na Verdade, bisnetos que são das teses reacionárias de Nietzsche nessa matéria. Evidentemente que existem conhecimentos verdadeiros. Engels expõe contra o tal Herr Dühring a questão no capítulo “A moral e o direito-verdades eternas”. “E, sem dúvida, há verdades tão bem fundadas, que a menor dúvida a respeito delas nos pareceria sinónimo de loucura: dois e dois são quatro, os três ângulos do triângulo valem dois retos”. Não existem, isso sim, verdades absolutas e eternas, “assim, por regra, nos trabalhos verdadeiramente científicos evitam-se as expressões dogmáticas e morais de erro e de verdade”.

  A meu ver o único problema que se poderá levantar relativamente ao papel que Engels reserva à Filosofia tem que ver com questões ou áreas que não são ciências particulares: a Ética, o Direito, a Estética, a Política. Contudo, a Dialética da Natureza não foi escrita para essa finalidade. A “Introdução à «Dialéctica da Natureza»”, foi escrita em 1875-1876; o “Antigo Prefácio ao «Anti-Dühring». Sobre a Dialéctica”, foi escrito 1878. Os manuscritos da Dialéctica da Natureza levaram vários anos a serem escritos. Não faz sentido que hajam aflorações “revisionistas” entre os dois escritos.

Ora, no Anti-Duhring Engels analisa a moral e o direito atacando questões como “verdades eternas”, A igualdade”, “Liberdade e necessidade”. Engels não afirma que as áreas que listámos acima constituem ou podem vir a constituir ciências particulares. A Moral não é uma ciência, nem a Política ou a Estética. Integram-se na Teoria geral de que falámos atrás. Sem o contributo das ciências (naturais e sociais) e do método dialético (isto é, sem o materialismo dialético e histórico), não poderemos compreender as origens e o desenvolvimento dessas práticas humanas. A Ética e o Direito serão porventura os terrenos preferidos da dominação de classe. A Política não é tratada com este título, desenvolve-se na “Segunda Parte”, capítulos “Teoria da violência” e na Terceira Parte “socialismo”. A Política, filosofia da Política se preferirmos, julgo que é precisamente a consequência final e coerente de uma boa ontologia. No Prefácio II do Anti-Dühring Engels esclarece-nos quaisquer dúvidas que tivéssemos relativamente à coerência das teses com o pensamento de Marx: “Como a filosofia que exponho neste livro foi, na sua maior parte, fundada e desenvolvida por Marx, e em menor parte por mim, era muito natural que não escrevesse esta exposição sem o seu conhecimento. Antes da impressão li-lhe todo o manuscrito e, no que respeita ao décimo capítulo da segunda parte, dedicado à economia política (Sobre a História crítica), foi o próprio Marx quem o escreveu (…) De resto, tivemos sempre por costume ajudarmo-nos um ao outro nos assuntos relativos à ciência”. Separar e opor Engels a Marx, ou vice-versa, é, portanto, um ato de má-fé. De resto, em O Capital lemos enunciados suficientes sobre a moral e o direito e a política está logo no subtítulo: Crítica da Economia Política. A Filosofia em O Capital é outra obra estupenda de José Barata-Moura. “ No domínio da economia política a investigação científica livre não encontra o mesmo inimigo que em todos os outros domínios. A natureza peculiar da matéria que manuseia chama ao campo da luta contra ela as paixões mais violentas, mais mesquinhas e mais odiosas do peito humano, as Fúrias do interesse privado” ( O Capital, Prefácio à primeira edição, 1867)

Engels não se serve do método metafísico para analisar as raízes da moral, do direito e da política, como fazem aqueles filósofos que “explicam” essas e outras atividades humanas na pura esfera das ideias. Grandiosos conceitos da Moral e da Política: Liberdade, Igualdade, etc. somente se podem compreender no contexto histórico, nas lutas sociais, nas reivindicações das classes e dos estratos sociais, nas conquistas e nas derrotas, nos interesses económicos, culturais, políticos, que se entrelaçam no todo de uma determinada organização rasgada por contradições. Engels maneja com mestria a Dialética a propósito do choque das burguesias, cujo interesse maior era a “livre concorrência”, com os entraves corporativos e os privilégios, “a situação económica exigia a liberdade e a igualdade de direitos”.

A “Teoria” de que nos fala Engels não é, portanto, uma filosofia separada soberanamente dos métodos empíricos das ciências naturais e sociais ( e isto aplica-se também à Moral, Direito, Política, Estética); não é, sobretudo, a aplicação de um método “metafísico”, mas, sim, dialético. Personalidades influentes no partido social-democrata, como Bernstein e outros, que depressa abandonaram o marxismo, acusaram Engels de “positivista”, “economicista” e outros epítomes. A mais do que tardia publicação de obras de Engels, como referimos acima, é em grande parte da responsabilidade dele e seus compadres. O perfil “positivista” de Engels foi glosado vezes sem fim pelo século vinte em diante por muitos que não o leram (doença que ataca também os filósofos), ou leram-no “demasiado” bem, isto é não lhes convindo de todo uma Dialéctica que conduz à necessidade de um revolucionamento das relações sociais, na base das quais estão as relações de produção. A abordagem engelsiana das questões da moral, do direito, da violência na História, dos efeitos do trabalho e outras práticas sociais nas conceções religiosas, políticas, etc., patente nas duas obras que temos vindo a citar, demonstra claramente, sem equívocos, que ele rejeita quaisquer “determinismos” (expressão que ele aplica à ciência e aos materialismos do século XVIII). Engels e Marx mais do que uma vez afirmaram que as ideologias, as lutas de ideias e crenças, desempenharam nos acontecimentos que eles próprios referem (as guerras religiosas, por exemplo) um papel de relevo., ou seja: de retroação.

Não se compreenderia que Engels lançasse a filosofia borda fora. Se assim fosse o materialismo dialético desistiria do combate contra as posições idealistas que brotam espontaneamente ou propositadamente no seio dos próprios movimentos progressistas. Se assim fosse Engels não teria combatido o Sr. Dühring. Esta obra, publicada em vida com várias edições, é um exemplo genial da luta ideológica, ou, se preferirmos, dos combates da filosofia no seu mais acutilante recorte.

Existem diferenças de exposição entre o Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã e a Dialética da Natureza, sobretudo entre o primeiro texto e as frases que citámos do Anti-Dühring (Noções gerais), “o que subsiste de toda antiga filosofia e conserva uma existência própria é a teoria do pensamento e suas leis – a lógica formal e a dialética. – Todo o resto se resolve na ciência positiva da natureza e da história”? Certamente. Numa exposição explana-se o problema ontológico, a filosofia materialista dialética, nesta última não o faz tal e qual. Contudo, é uma contradição real, uma alteração profunda de posições? Não creio de modo algum. Repare-se na afirmação que antecede e conduz à conclusão de que “torna-se supérflua, etc.”: “ o materialismo sintetiza os progressos recentes das ciências naturais”, tal materialismo é essencialmente dialético e, portanto, não “implica nenhuma filosofia sobreposta às outras ciências ”, “Desde o momento em que se pede a cada ciência que dê conta da sua posição no conjunto total das coisas e do conhecimento das coisas, torna-se supérflua uma ciência especial do conjunto”. É isto que ele afirma. A filosofia materialista histórica e dialética não veio para se sobrepor às ciências naturais, a sua ontologia fundamental, pelo contrário, solicita, por um lado, o concurso da Ciência para expor e demonstrar a tese do primado da Matéria sobre o Espírito e, por outro, exige que a Ciência tome consciência de que a dialética está lá, nos fenómenos, quer os cientistas queiram ou não. Por exemplo: já não era útil uma “filosofia da História” à maneira hegeliana (idealista), quando a História se estava a constituir como uma área de estudo que compreende necessariamente, se quiser ser objetiva, requisitos científicos. Por requisitos científicos, Engels entende, sobretudo mas não só, o materialismo histórico e dialético. Uma História que explique os acontecimentos sem recorrer fundamentalmente às relações económicas, não vai à raiz. Paira no céu nebuloso das puras ideias políticas acima das tempestades das crises económicas e das lutas de classe.

Engels, insisto, abandona a atividade crítica filosófica? Não vejo como nem quando: Na Dialética da Natureza, capítulo “ciências naturais e filosofia”, destroçando as teses do materialismo grosseiro de Büchner, Vogt, Molesschott, porque estes, isso sim, pretendiam suprir a falta de ciência com um materialismo pseudo-científico dogmático e grosseiro, defende a filosofia dos ataques de que estava a ser alvo. “Quem mais insulta a filosofia são escravos precisamente dos piores resíduos vulgarizados da pior das filosofias” (sublinhado por mim, N.P.). “ Do que se trata de saber é se querem (os naturalistas) deixar-se influenciar por uma filosofia má na moda ou por uma forma de pensamento teórico baseado no conhecimento da história do pensamento e das suas conquistas”. “Os naturalistas concedem à filosofia uma vida aparente, ao contentarem-se com os despojos da velha metafísica. Somente quando a ciência da natureza e da história hajam assimilado a dialética, sobrará e desaparecerá, absorvida pela ciência positiva toda a quinquilharia filosófica, com a exceção da pura teoria do pensamento”.

O materialismo histórico (que demonstrou a historicidade de todos os fenómenos sociais), o materialismo dialético (que reflete a contraditoriedade de tudo, o “trabalho do negativo” para a mudança), é, portanto, a boa filosofia…A filosofia em lugar de morrer, reanimou-se. Os combates da filosofia dialética contra o seu contrário, a metafísica, contra a filosofia burguesa que é a sua ideologia, ganham fôlego e urgência. Engels exemplifica: urge combater as filosofias “naturalistas” que querem aplicar às sociedades as teorias darwinianas. Sabemos nós bem como esta ideologia, já em voga ao tempo de Engels, promoveu a justificação das desigualdades sociais, dos racismos, dos genocídios. O liberalismo do século dezanove, essa filosofia, ou seja, essa ideologia burguesa, cobria com o manto diáfano dos direitos e liberdades os crimes horrendos do colonialismo. A vida e obra de Marx e Engels constituem a prova provada de que a ideologia burguesa não passou impune. Produziram o mais eficiente instrumento de guerra contra os opressores. Produziram ciência, mas denunciaram implacavelmente os erros dos cientistas e pseudo-cientistas, e, sobretudo, a instrumentalização da ciência pelo capitalismo. Tal como a filosofia, a ciência pode ser boa ou má…

Outro problema foi o chamado “humanismo”.

A partir da década de 1920 o cisma com o processo revolucionário em curso na Rússia transitou também, evidentemente, para a filosofia. Os primeiros teóricos foram G. Lukács e Korsch. Os escritos de juventude de Marx surgiram nessa altura e serviram de ponta-de-lança. Não se tinha na mira no início a Dialética da Natureza pois não era conhecida, mas, sobretudo o Anti-Duhring, a introdução de Marx aos designados Grundriss:

“O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me

de guia para meus estudos, pode ser formulado, resumidamente,

assim: na produção social da própria existência, os homens

entram em relações determinadas, necessárias, independentes

de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um

grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas

materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a

estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva

uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem

formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção

da vida material condiciona o processo de vida social, política e

intelectual. Não é a consciência dos homens que determina o seu

ser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência.”, e, julgo eu, o livro de Lenine “Materialismo e Empiriocriticismo”. Veio acrescentar-se, como gasolina sobre o fogo, as pimeiras edições da Dialética da Natureza…

A crítica ao materialismo histórico e dialético centrava-se na ausência ou pelo menos desvalorização do “indivíduo”, isto é do “sujeito” e da “subjectividade” que imputavam ao “revisionismo” de Engels sobretudo. Ontologia natural ou ontologia social? Filosofia ou ciência? A crítica à ciência (ao pensamento científico) emrgia com a devida influ~encia dos escritos de Heidegger…Posições que chegaram ao radicalismo de se considerar a ciência como burguesa toda ela. O livro de sartre “O Ser e o Nada” subiu à ribalta. O período pós-guerra agravou o cisma, período áureo do chamado “Humanismo”. Nos marxistas críticos a ontologia continha um problema: a realidade , que é a que conhecemos, não existe independentemente do conhecimento que vamos produzindo sobre ela; por conseguinte, parte dela é a mente que a constitui. Posição idealista por excelência.

Contra uma filosofia da natureza (teoria natural), contra a substituição da filosofia (A ética e a estética que tanto interessou Lukács), contra a Teoria que unificará as ciências naturais e sociais. O “humanismo” entrou em crise com o estruturalismo, nomeadamente com as criticas de L. Althusser, Teve a sua época. O contexto histórico ajuda a compreender esse atractivo. Não foram poucos os filósofos burgueses que o apoiaram conforme as suas conveniências na “Guerra Fria”. As obras e teses de Engels revelaram-se, a meu ver, mais marxistas do que o “marxismo humanista”. O seu idealismo “ético” é bem uma ilustração das reservas que o jovem Marx alimentava contra o idealismo (=ideologismo) que persegue a Filosofia como um destino.

É fácil acusar Marx e Engels de “revisionismo” nas obras de maturidade, o difícil é prová-lo. Houve evidentemente correções e acertos, porventura alguma ambiguidade que não pôde ser esclarecida, contudo revela-se uma caminhada progressiva, mas coerente, dos primeiros escritos para se produzir, por fim, essas obras magistrais que são O Capital e o Anti-Dühring. A Dialética da natureza é uma obra de época? Não me custa admiti-lo, no sentido em que a ciência estava a dar passos gigantescos e rápidos desde Faraday, Maxwell e Darwin, com aplicações revolucionárias nos meios de produção e descoberta da historicidade das manifestações da Matéria viva. Nesta época em que escrevo, conhecidos os progressos fantásticos cento e tal anos após, só posso repetir o pensamento de Engels e de Marx: a ciência será tanto mais e melhor revolucionária quanto se libertar do controlo e finalidades do Capital e servir a emancipação dos trabalhadores. Poder-se-á dizer o mesmo sobre a ideologia (idealismo) da Ética e do Direito de que tanto gostam de pregar os nossos filósofos mediáticos. Não são ciências particulares, são filosofias e doutrinas. Os seus progressos, quando aplicados efetivamente, exprimem as conquistas das massas populares, dos movimentos reivindicativos da opinião pública mundial, constituem o plano supraestrutural das lutas de classe. A filosofia é o plano teórico privilegiado desses confrontos. Jamais Engels poderia abandonar a filosofia encarada neste ponto de vista. Engels e Marx “economicistas”? A resposta dele já fora dada em diversas cartas (leia-se a carta a Conrad Schmidt, de 27 de Outubro de 1890, talvez a mais esclarecedora de todas, onde se fala do disputado termo reflexo, e do Estado e do Direito).

 

Marx e Engels demonstraram desde a juventude profundas reservas relativamente à Filosofia, na medida em que cada filósofo se arrogava haver descoberto verdades eternas sobre o mundo e a vida, numa operação exclusivamente intelectual desligada da práxis ( o mundo independente das ideias). Uma das enfermidades a que a Filosofia não está imune advém do facto da divisão social do trabalho, do divórcio entre o trabalho manual e intelectual. Também estes fundamentos da teoria de Marx e Engels haveriam de servir tanto para condenar os intelectuais ao pecado original, como para condenar o marxismo pelo seu putativo “cientificismo positivista” que desprezava a filosofia.  A estes últimos bastar-lhes-ia ser honestos e ler com atenção o que Engels escreve sobre filosofia (e ontologia!) no Antigo Prefácio ao « Anti-Düring».

A atualidade das obras de maturidade de Engels é, a meu ver, flagrante, também neste ponto crucial: as críticas que determinados usos da tecno-ciência suscitam, as contradições entre revolucionárias descobertas (instrumentos de trabalho e produção, de alimentos, de que fala Engels no capítulo “O Trabalho no processo de transformação”, Dialética da Natureza) e os seus resultados: mais opressão, miséria e alienação.

E como é mais do que tempo para terminar, encerro com um comentário infelizmente breve e acaso superficial que regressa à ontologia com que iniciei este texto. Existe entre os filósofos que explicam a pós-modernidade “às crianças”, aquela parte maior de ideólogos reaccionários, um fastio pelas categorias filosóficas de totalidade, verdade, universalidade (valores universais), fundamento, aparência/essência, e aí fora. Desprezando a Dialética e ostentando um ceticismo arrogante, mergulham nos lameiros de novos irracionalismos disfarçados de particularismos e relativismos, enviam com soberano desprezo para o caixote do lixo as filosofias e doutrinas que impulsionaram os grandes progressos (embora contraditórios) da Modernidade, classificados de meras “narrativas”, isto é “ficções” e “discursos retóricos”. Na realidade o que os incomoda é o marxismo, não é seguramente o liberalismo de que eles são efetivamente fervorosos adeptos nesta versão terrorista do neo-liberalismo. Para os contrariar é necessário demonstrar que a Modernidade é um longo período com progressos e conquistas do capitalismo que eles próprios defendem, mas também de revoluções e revoltas populares para maior emancipação (esses pós-modernos classificam de “narrativa” ultrapassada) de direitos que ora nos querem sonegar, também e sobretudo do surgimento do proletariado e, com ele, das doutrinas socialistas que viriam a culminar na Revolução Russa de 1917 e no Estado Social da segunda metade do século vinte. Reconhecem-se sem dificuldade importantes mudanças a partir das últimas décadas do século passado (técnicas, sociais, culturais), destacando-se o colapso dos regimes socialistas do Leste e, aproveitando-se disso, o triunfo do capitalismo neo-liberal. O eminente cientista David Harvey faz uma descrição desses fenómenos na sua obra “A Condição Pós-Moderna” que é correta na minha opinião. Nesse sentido não me custa aceitar que transitámos para um novo ciclo que poder-se-á designar de “pós-modernidade”. Também me oponho a “verdades absolutas”, a crenças num Progresso linear e teleológico, a um racionalismo produtivista, à ideologia burguesa da “livre iniciativa” (ao liberalismo em suma), ao domínio absoluto de uma única “narrativa”.  

 tomas também de um determinado irracionalismo que percorre as teses cépticas de muitos pós-modernos (com as raras excepções de Perry Anderson e F. Jameson). Movimento pós-moderno que rejeita trabalhar com totalidades, valores universais, Verdade e conhecimento objectivo, as grandes doutrinas filosóficas a que chamam “Grandes narrativas” (ficções, discursos) que significa rejeitarem a ideologia, sobretudo, ou quase só, o marxismo. Rejeita postular o “fundamento” para poder rejeitar os fundamentos materiais do ser social. Rejeita, em suma, as teorias de emancipação humana, isto é, a própria possibilidade de emancipação- alternativa ao capitalismo.

Já tivemos a hegemonia do físico-quimismo e do biologismo darwinista e eugenista entre o termo do século XIX e as primeiras décadas do século XX, que atingiu todos: nazi-fascistas, liberais, marxistas sociais-democratas. Tivemos o positivismo imperial. A fé absoluta na tecno-ciência porque aos capitalistas trazia abundantes lucros. Essa fé no Progresso.

Foi nesse período que apreceram marxistas (?) a quererem completar” de fora, a teoria económica de Marx (com Mach), e contra o qual saíu a terreiro Lenine (;aterialismo e Empiriocriticismo), ou com Kant no plano ético…

A Modernidade – As correntes filosóficas “pós-modernas” consideram que as “grandes narrativas” de “emancipação humana” faliram. A Modernidade terminou os seus dias. Existem diferentes correntes nesse movimento, com posições polítcas muito diferenciadas, é necessário não confundi-las; vão desde as reacionárias, às neo-anarquistas (diferenciadas pelo seu lado) e às que se conservam no largo espectro dos marxismos. Adopto a posição de que os novos fenómenos sociais e as novas características do capitalismo são evidentes e suficientemente largas e profundas para ser impossível recusar aceitar-se novos conceitos para um novo quadro geral que podemos sem dificuldade de maior classificar como “pós-modernidade”. O que me obriga a colocar alguns problemas e reservas:

1. As ideologias não morreram. A ideologia burguesa conserva-se. O capitalismo encontra-se na sua fase mais aguda e crítica do imperialismo. Apesar de algumas alterações no conteúdo e nas formas da ideologia burguesa, a burguesia continua a existir e a prosseguir as suas finalidades fundamentais.

2. A doutrina liberal (filosofia burguesa) que foi o eixo principal da ideologia da Modernidade desde o século XVII, é agora o neo-liberalismo.

3. O liberalismo não foi, porém, a única filosofia e ideologia da Modernidade. Já no século XVI O livro de Tomás More, “A Utopia”, marcou uma diferença com enorme influência posterior, sobretudo nos escritores utopistas do século XVIII (Morelly, Dom Deschamps, Mably, etc.),e em Rousseau, Diderot, para citar apenas os filósofos mais influentes. Durante a Revolução Francesa opuseram-se às ideias liberais as correntes da Esquerda, tanto no interior dos jacobinos como à sua esquerda. G. Babeuf e o Movimento dos Iguais lançaram o primeiro manifesto comunista, inspirando-se em Morelly. Rousseau veio a ser nesta Revolução o principal mentor, e ele não defendera o liberalismo. O socialismo tornou-se, desde Saint-Simon, Owen, e outros doutrinadores célebres, a oposição no interior da Modernidade. Esta, portanto, não foi homogénea, mas profundamente contraditória. Todo o século XIX foi de lutas pelo cumprimento das promessas que o liberalismo pregava (nas diversas revoluções que liderou), ou, mais radicalmente, a favor de doutrinas desejavam realizar efetivamente o que o liberalismo jamais poderia querer realizar enquanto filosofias e ideologias burguesas que o eram e sempre o foram apesar das grandes diferenças que o capitalismo foi sujeito durante séculos.

4. Desde modo desde os inícios da Modernidade que existiram, e combateram-se, diferentes versões de liberalismo (Kant não era igual a outros liberais, nem Hegel) e doutrinas completamente contrárias. A ideia reducionista de que a Modernidade foi toda igual, sem contradições, é completamente errada. As lutas de classes sempre existiu (camponeses, pequena burguesia, grande burguesia, proletários), a consolidação do capitalismo fez-se à custa de guerras e outros violentos confrontos. As lutas ideológicas foram intensas. A ideia de Progresso não foi entendida da mesma maneira. A grande burguesia que conciliou diversas ocasiões com a aristocracia ou com as monarquias absolutas e os “despotismos iluminados” beneficiou sem dúvida das doutrinas filosóficas de grandes pensadores (Maquiavel, Boécio, Hobbes, Montesquieu, etc.), porém outros outro tanto grandes não exprimiram os seus interesses, ou iam mais além. Chamo “excedente” a esse mais-além, que se encontra em Espinosa, no próprio J. Locke, Rousseau, Diderot, Kant, Hegel. Em quase todos os grandes filósofos que defendiam a propriedade privada e os direitos políticos que convergiam com as reivindicações das classes e camadas burguesas, a emancipação humana não se restringia às reivindicações imediatas da grande burguesia comercial e, em seguida, manufactureira, iam muito além dessas camadas. Marx mostrou que a classe ascendente apresenta-se como representante do género humano, dos interesses e necessidades naturais (“direitos naturais”), da natureza humana; as suas reivindicações mistificam-se como direitos universais. Na verdade, muitos desses direitos são universais. Ao tempo as instituições políticas que se reivindicavam ou se constituíram (Inglaterra, Revoluções do século XVII) foram grandes avanços civilizacionais, às vezes classificadas como meras utopias. O “excedente” é um conjunto de concepções (propostas, soluções para os grandes problemas da Justiça, da Moral, do Direito, da Ciência) em que o filósofo acredita efectivamente e que julga trazerem a Paz perpétua (Kant). Não sendo uma utopia típica (romances de viagens a ilhas governadas pela melhor das repúblicas, como eram usuais) aproximam-se delas, contêm um elã, um impulso utópico. São produtos autónomos do pensamento, porque o pensamento goza de autonomia, não é um mero reflexo mecânico da economia ou das bandeiras político-partidárias.

A Modernidade é também a época da grande Revolução Russa de 1917 e das revoluções nacionalistas e independentistas. A Revolução Russa e a URSS inauguraram uma época nova que ainda não fechou, bem pelo contrário. A visão que temos do Modernismo é geralmente percebida como positivista, tecnocêntrica e racionalista, o modernismo universal tem sido identificado com a crença no progresso linear, nas verdades absolutas, no planejamento racional de ordens sociais ideais, e com a padronização do conhecimento e da produção. O pós-modernismo, em contraste, privilegia a heterogeneidade e a diferença como forças libertadoras na redefinição do discurso cultural. A fragmentação, a indeterminação e a intensa desconfiança de todos os discursos totalizantes são o marco do pensamento pós-moderno.

Segundo Eagleton (1987), o pós-modernismo assinala a morte das metanarrativas, cuja função terrorista secreta era fundamentar e legitimar a ilusão de uma história humana universal.  A ciência e a filosofia devem abandonar suas grandiosas reivindicações metafísicas e ver a si mesmas, mais modestamente, como um conjunto de narrativas.

5. A idéia de Moderno teve suas bases no que Habermas chama de projeto da modernidade que surge durante o século XVIII. A idéia era usar o acúmulo de conhecimento gerado por muitas pessoas trabalhando livremente e criativamente em busca da emancipação e do enriquecimento da vida diária. O domínio científico da natureza prometia liberdade da escassez, da necessidade e da arbitrariedade das calamidades naturais.

6. O desenvolvimento de formas racionais de organização social e de modos racionais de pensamento prometia a libertação de irracionalidades do mito, da religião, da superstição, liberação do uso arbitrário do poder... (HARVEY, 2004:23). E assim, os pensadores iluministas acolheram o turbilhão de mudanças e perceberam a transitoriedade, fugidio e o fragmentário como condição necessária por meio do qual o projeto modernizador poderia ser realizado. Abundavam doutrinas de igualdade, liberdade, fé na inteligência humana e razão universal.

7. Entretanto, o projeto iluminista possuía como propósito a dominação da natureza e, respectivamente do que era o ser humano, o que no final só poderia levar a uma tenebrosa condição de autodominação. Deste modo, o pensamento iluminista internalizava uma imensa gama de problemas e não possuía poucas contradições incômodas.

que se opunha à racionalização técnico-burocrática. Coerente
com a proposta que apresenta no título do capítulo – desconstruindo a
crítica pós-modernista – o autor afirma que “há mais continuidade do que
diferença entre a ampla história do modernismo e o movimento denominado
pós-moderno” (HARVEY, 2006, p. 113).
Examinam-se, na segunda parte, os fundamentos políticoeconômicos da mudança. Nessa parte, o autor salienta a profundidade e
a importância das transformações na economia política do capitalismo no
final do século XX. Analisa, no fordismo, a preocupação com o consumo
de massa, para a além da produção em massa, destacando a necessária
atuação do Estado na projeção desse modelo de desenvolvimento. de esclarecer vínculos materiais entre processos político-econômicos e
processos culturais. O autor aceita, inicialmente, a proposição de Frederic
Jameson, ao associar a crise da experiência espaço-temporal à mudança
pós-moderna, apontando para a substituição das categorias temporais
modernas pelas espaciais. A proposta de Harvey é superar o hiato entre a
mudança cultural e a dinâmica da economia política por meio de estruturas
interpretativas gerais, encontrando um ponto de apoio que permita discutir
mais profundamente a experiência cambiante do espaço na história do
modernismo e do pós-modernismo.
Harvey argumenta que o domínio do espaço e do tempo é
fundamental na busca do lucro. O dinheiro pode ser usado para dominar o
tempo (dos trabalhadores) e o espaço, assim como o domínio do espaço e
do tempo podem se converter em dinheiro. A ideia
de tempo progressivo e retilíneo foi sistematicamente abalada, cedendo
espaço à ideia do tempo cíclico, dos ciclos econômicos. O sentido de
espaço mudara em face da integração econômica, capaz de fazer uma crise
atingir todo um continente a um só tempo. A natureza e o significado do
dinheiro também entraram em crise pela tensão entre dinheiro de crédito
e dinheiro em espécie, alterando o sentido de tempo (taxa de retorno dos
investimentos). A diversificação de valores, a emergência da mentalidade
esquizofrênica e a busca pelo poder são aspectos destacados por Harvey
como próprios da vida pós-moderna, influenciada pelas mudanças
ocorridas na sociedade e na economia. A criação de imagens de produtos
e de pessoas é analisada pelo autor por ser um ponto utilizado por autores pós-modernistas para apontar a ultrapassagem da teoria marxiana.


pós-m se esperar, então, uma “virada” para as forças culturais, seja como forma
de explicar o que está acontecendo ou como forma concreta de realidade,
porém o autor mostra que mudanças desse tipo não são novas, colocandoas no plano da análise materialista histórica. A crítica de Harvey ao pósmodernismo, nesse sentido, diz respeito à autonomia da vida cultural em
relação aos aspectos econômicos.
A crítica principal de Harvey é ao pós-modernismo como forma
de interpretar o mundo, por (i) reduzir o conhecimento e o significado a
um conjunto desordenado de significantes; (ii) representar a complexidade
do mundo em proposições retóricas simplificadoras; (iii) deslizar para
o paroquialismo em face das forças universalizantes do capitalismo,
com risco de cair no sectarismo e inverter o respeito pelos outros
em competição. odernistas para apontar a ultrapassagem da teoria marxiana. O autor aponta saídas para a crise pela qual passa o
materialismo histórico no que tange: (i) ao tratamento da diferença e da
alteridade que deveria estar onipresente em toda tentativa de apreensão


da dialética da mudança social; (ii) à produção de imagens e de discursos,
que é faceta importante da atividade e merece análise cuidadosa como
parte integrante da reprodução e da transformação da ordem simbólica;
(iii) ao reconhecimento das dimensões tempo e espaço como relevantes
na determinação das geografias, redes de ação social, territórios e espaços
de poder reais e metafóricos, como forças organizadoras na geopolítica
do capitalismo, que tem que ser compreendido tanto em si mesmo como
no âmbito da lógica global do desenvolvimento capitalista e (iv) o resgate
do materialismo histórico-geográfico como modo de pesquisa aberto e
dialético, pois a metateoria não é uma afirmação da verdade total, mas a
tentativa de chegar a um acordo com as verdades históricas e geográficas
que caracterizam o capitalismo em geral e na fase atual.
No último capítulo, Harvey expõe as contradições do pósmodernismo e as evidências da possibilidade de sua autodestruição ou
dissolução em algo diferente. Diante das ideias de retomada do classicismo
e da sugestão da trilha do caminho dos modernos, Harvey encerra
posicionando-se a favor do modernismo, no qual a visão do futuro e da
transformação dele são mais importantes.

(*) “Geralmente percebido como positivista, tecnocêntrico e racionalista, o modernismo universal tem sido identificado com a crença no progresso linear, nas verdades absolutas, no planejamento racional de ordens sociais ideais, e com a padronização do conhecimento e da produção. O pós-moderno, em contraste, privilegia ‘a heterogeneidade e a diferença como forças libertadoras na redefinição do discurso cultural”. A fragmentação, a indeterminação e a intensa desconfiança de todos os discursos universais ou (para usar um termo favorito) ‘totalizantes’ são o marco do pensamento pós-moderno”. “O que há em comum nesses exemplos é a

 

“(...) eles alegavam que a lógica que se oculta por trás da racionalidade iluminista é uma lógica da dominação e da opressão”. 

(*) “E há também quem – e isso é, como veremos, o cerne do pensamento filosófico pós-modernista – insista que devemos, em nome da emancipação humana, abandonar por inteiro o projeto do Iluminismo. A posição a tomar depende de como se explica o ‘lado sombrio’ da nossa história recente e do grau até o qual o atribuímos aos defeitos da razão iluminista, e não à falta de sua correta aplicação”. P.24
“[O LEGADO DO ILUMINISMO] Bernstein: ‘O desenvolvimento da [racionalidade proposital-instrumental] não leva à realização concreta da liberdade universal, mas à criação de uma ‘jaula de ferro’ da racionalidade burocrática da qual não há como escapar’. Se a ‘sóbria advertência de Weber soa como o epitáfio ((fúnebre)) da razão iluminista, o ataque anterior de Nietzsche às suas próprias premissas deve por certo ser considerado a sua nêmese. Era como se Nietzsche mergulhasse por inteiro no outro lado da formulação de Baudelaire para mostrar que o moderno não era senão uma energia vital, a vontade de viver e de poder, nadando num mar de desordem, anarquia, destruição, alienação individual e desespero“Como Baudelaire logo percebeu, se o fluxo e a mudança, a efemeridade e a fragmentação formavam a base material da vida moderna, então a definição de um estética modernista dependia de maneira crucial do posicionamento do artista diante desses processos”. P.29

“O modernismo só podia falar do eterno ao congelar o tempo e todas as suas qualidades transitórias”. P.30

“O modernismo internalizou seu próprio turbilhão de ambigüidades, de contradiçoes e de mudanças estéticas pulsantes, ao mesmo tempo que buscava afetar a estética da vida diária”. P.31

(*) “É importante ter em mente, portanto, que o modernismo surgido antes da Primeira Guerra Mundial era mais uma reação às novas condições de produção (a máquina, a fábrica, a urbanização), de circulação (os novos sistemas de transportes e comunicações) e de consumo (a ascensão dos mercados de massa, da publicidade, da moda de massas) do que um pioneiro na produção dessas mudanças”. P.32
“As mudanças por certo foram afetadas pela perda da fé na inelutabilidade do progresso e pelo crescente incômodo com a fixidez categórica do pensamento iluminista”. “O movimento socialista contestava cada vez mais a unidade da razão iluminista e inseriu uma dimensão de classe no modernismo. Seria a burguesia ou o movimento dos trabalhadores que daria forma e dirigiria o projeto modernista? E de que lado estavam os produtores culturais?”

“A mudança no tom do modernismo também decorria da necessidade de enfrentar diretamente o sentido de anarquia, de desordem e de desespero que Nietzsche semeara numa época de espantosa agitação, insatisfação e instabilidade na vida política-econômica (...)”. “Essa manifestação particular do modernismo, portanto, teve de reconhecer a impossibilidade de representar o mundo numa linguagem simples. A compreensão tinha de ser construída por meio da exploração de

múltiplas perspectivas. Em resumo, o modernismo assumiu um perspectivismo e um relativismo múltiplos como sua epistemologia, para revelar o que ainda considerava a verdadeira natureza de uma realidade subjacente unificada, mas complexa”. P.37

“O modernismo assumiu no período entre-guerras uma forte tendência positivista(...). O positivismo lógico era tão compatível com as práticas da arquitetura modernista quanto com o avanço de todas as formas de ciência como avatares do controle técnico. Foi esse o período em que as casas e as cidades puderam ser livremente concebidas como ‘máquinas nas quais viver’”. 

“O problema do modernismo ‘heróico’ foi, para resumir, o fato de que, uma vez abandonado o mito da máquina, qualquer mito podia alojar-se na posição central da ‘verdade eterna’ pressuposta no projeto modernista”. P.39

“Enquanto o modernismo dos anos entre-guerras era ‘heróico’ mas acossado pelo desastre, o modernismo ‘universal’ ou ‘alto’ que conseguiu hegemonia depois de 1945 exibia uma relação muito mais confortável com os centros de poder dominantes da sociedade”. 

“A crença no progresso linear, nas verdades absolutas e no planejamento racional de ordem sociais ideais sob condições padronizadas de conhecimento e de produção era particularmente forte. Por isso, o modernismo resultante era ‘positivista, tecnocêntrico e racionalista’, ao mesmo tempo que era imposto como a obra de uma elite de vanguarda formada

por planejadores, artistas, arquitetos, críticos e outros guardiães do gosto refinado. A ‘modernização’ de economias européias ocorria velozmente, enquanto todo o impulso da política e do comercio internacionais era justificado como o agente de um benevolente e progressista ‘processo de modernização’ num Terceiro Mundo atrasado”. P.42

“Seu real lado inferior estava, sugiro, em sua celebração subterrânea do poder e da racionalidade burocráticos corporativos, sob o disfarce de um retorno ao culto superficial da máquina eficiente como mito capaz de encarnar todas as aspirações humanas. Na arquitetura e no planejamento, isso significava desprezar o ornamento e a personalização (...). Significava ainda uma enorme paixão pelos espaços e perspectivas maciços, pela uniformidade e pelo poder da linha reta”. P.43

“Embora fracassado, ao menos a partir dos seus próprios termos, o movimento de 1968 tem de ser considerado, no entanto, o arauto cultural e político da subseqüente virada para o pós-modernismo. Em algum ponto entre 1968 e 1972, portanto, vemos o pós-modernismo emergir como um movimento maduro, embora ainda incoerente, a partir da crisálida do movimento antimoderno dos anos 60”. P.44

Capítulo 3: Pós-modernismoEngels tem por objetivo analisar o trabalho em geral, assim também como Marx fará no início do capítulo V do livro primeiro de O Capital. Neste excerto muito conhecido e utilizado, Marx está analisando o processo de trabalho em geral, o trabalho como um processo contínuo, dialético e necessário entre homem e natureza em qualquer modo societal. Segundo Marx, “Antes de tudo, o trabalho é um processo entre homem e natureza” (MARX, 1985, p.211). O interessante é que Engel teve estes “insights” sem uma ciência paleontrapológica sedimentada, pois muitas de suas percepções dos textos somente foram confirmadas depois dos anos 60 por achados fósseis, e pela criação de uma linha da paleantropologia que viu o papel do fogo, do consumo de carne e das mãos nesta transformação. Embora a postura bípede, parece que surgiu no Ardiphitecus, muitos antes do que se pensava, em relação a Lucy que já vivia em Savanas tropicais, e não em Selvas tropicais na Etiópica. A postura bípede, talvez tenha surgido por propósitos sexuais, pois facilitava trazer comida para a fêmea e para a prole, pelo macho e isto teria liberado as mãos, o que favoreceu a tecnologia. O cérebro encontrou o instrumento para transformar a natureza chegando ao seu apogeu com a sociedade tecnológica capitalista criada pela Revolução Industrial, uma fração mínima do tempo da história da evolução natural do homem. A dialética da natureza em Engels sempre foi rotulada como excessivamente positivista, por autores essenciais como Gramsci e mais autores como John Bellamy Foster (1999) privilegiam uma nova interpretação em que o marxismo precisa dialogar com as ciências naturais, para buscar um ecomarxismo ou um ecossocialismo possível, superador das práticas autoritárias, hierárquicas, burocráticas que resultaram na subjugação do homem e da natureza, em experiência do socialismo real guiadas pelo stalinismo. Os seres humanos são seres naturais, pois a espécie humana surgiu pela evolução da natureza e permanece ligado a ela, inclusive se esta ligação da sociedade-natureza é modificada pelo desenvolvimento das forças produtivas (BAGAROLO, 1996, p. 372), que jamais pode ser suprimida. Esta primazia da natureza equivale afirmar, ao menos em parte, a ação transformadora do homem, em termos ontológicos, a uma visão materialista da natureza e do ser humano (BAGAROLO, 1996). Assim, a defesa do enfoque materialismo nunca foi uma abordagem sem relevância, visto que correspondia a uma necessidade teórica, pelo fato que apontava uma luta para conquistar as mentes do trabalhador frente os desafios para sua classe. O materialismo histórico dialético oferece uma síntese social para as novas abordagens científicas das teorias dos sistemas, da complexidade, da ecologia profunda, que não entendem as relações sociais engendradas pelos humanos na constituição de forças produtivas, classes e ideologias. Tais idéias se apropriam da técnica pela razão instrumental na formação de uma estandardização comercial e cultural em tempos de globalização neoconservadora com dominação do sistema financeiro transnacional que serve à uma minoria de multimilionários que conduzem a humanidade a barbárie, a falta de água, comida, habitação, as guerras neocolonialistas centradas no superimperialismo Europeu, dos EUA, etc.

Para Engels, o prestígio das ciências naturais, contribuía para acalentar leituras do ser humano segundo dogmas naturalistas ou muitas vezes, deterministas, excluindo a historicidade do debate. Todavia, a luta pelo materialismo possui um sentido e razão bem precisa; conscientizar os homens de que podiam ser os donos do seu próprio destino, ao menos quando tomasse sua libertação das formas de consciência alienada (BAGAROLO, 1996, p. 374).

A partir disso, o materialismo corresponde a uma compreensão e à valorização da potencialidade de libertação humana sob o ponto de vista do progresso das ciências e das forças produtivas, que apenas o socialismo pode colocar ao oferecimento à todos. Isto significa que, o materialismo de Engels não afirma a redutibilidade do real à matéria como lado físico, como por muito tempo assinalava o mecanicismo do século XVIII e o materialismo vulgar do século XIX, senão uma opção a favor da unidade do real (homem e natureza, matéria e espírito), na qual o homem é parte e a natureza do todo e o pensamento é o dado derivado e não originário (BAGAROLO, 1996, p. 375).

Segundo o pensamento Engelsiano, a dialética é um método do pensamento mais real para compreendermos teoricamente a natureza quanto processo e devir; ela é a “lógica da coisa mesma”. Engels procura demonstrar que esta hipótese de trabalho está fundada e se torna inseparável do surgimento da ciência moderna da natureza e de seus resultados precisos. Ou seja, que as leis da dialética podem ser investigadas tanto na esfera do pensamento como na natureza. Ou seja, para Engels

a dialética é, acima de tudo, “ciência das relações”, o modo de pensar e as conexões do que se encontra aparentemente distante e separado, a transformação do que parece imutável, a transformação incessante das formas naturais, a emergência de novas possibilidades do curso mesmo da evolução natural e histórica, assim como o elo de unidade e diferenciação, de solidariedade e luta, que subsiste entre o homem e a natureza (BAGAROLO, 1996, p. 376).

2 Premissas conceituais: trabalho e natureza em Marx

Para chegar a uma definição de trabalho, é preciso procurar os elementos que definem, ao longo da trajetória humana bem como as relações estabelecidas entre o homem e o ambiente. Ora, “o trabalho só começa quando uma determinada atividade altera os materiais naturais, modificando sua forma original” (COGGIOLA, 2002, p. 182). Ou seja, pode-se definir o trabalho como o processo que realiza a mediação entre o ambiente e o homem, quando este põe em ação as forças de que seu corpo está dotado – braços, pernas, cabeça, mãos –, transformando os elementos que encontra disponíveis na natureza em produtos, suprindo assim suas necessidades, não importando “se elas se originam do estômago ou da fantasia” (MARX, 1985, p. 45).

O trabalho assim concebido – ação deliberada sobre o meio, caracterizada e dirigida pela inteligência e pela capacidade de abstração e formulação de conceitos – nada tem a ver com as atividades que realizam outros animais, como as abelhas ou as formigas. O homem, ao atuar “sobre a natureza externa a ele e ao modificá-la, modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza” (MARX, 1985, p. 49). O trabalho humano não é ação sobre o meio realizado de forma instintiva ou mecânica, mas processo complexo de aprendizagem, onde o homem não se limita a repetir ações e processos, como os outros animais, mas desenvolve técnicas e tecnologia que lhe são úteis. Ou seja, o homem se diferencia pois cria suas próprias ferramentas e sua ação não se limita a modificar os materiais que encontra disponíveis na natureza:

No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar sua vontade (MARX, 1985, p. 149-50).

Todavia, entendemos no corpo do pensamento marxiano-engelsiano que o trabalho humano apenas media a relação homem-natureza, tornando adaptada a natureza as demandas humanas, mas a fonte de riqueza é a natureza da qual são os produtos e bens de consumo por via do trabalho (RODRIGUES, 2002). O que evidencia na abordagem, que para Marx, humanidade e natureza estão inter-relacionadas e que a maneira historicamente específica das relações de produção constitui o cerne dessa inter-relação em qualquer período. Pois o mesmo, já havia aludido nos Manuscritos de 1844, citados por Foster e Lowy tal relação:

O homem vive da natureza, isto é, a natureza é seu corpo, e tem que manter com ela um diálogo ininterrupto se não quiser morrer. Dizer que a vida física e mental do homem está ligada à natureza significa simplesmente que a natureza está ligada a si mesma, porque o homem é parte dela (FOSTER, 1999, p. 165; LOWY, 2005, p. 21).

Desde os primeiros tempos da humanidade houve uma divisão do trabalho, que no início se dava em função de características fisiológicas, como gênero, idade, força física, até considerando mútua cooperação entre culturas e exercendo influência nos povos contemporâneos (DURKHEIM, 2005). Nas sociedades antigas o trabalho se dava de modo coletivo, orgânico, destinado basicamente a produção de bens, visando de maneira objetiva à satisfação das necessidades primárias e o cerne limitava-se à obtenção de valores de uso (RODRIGUES, 2002, p. 12). A própria dança, o folclore, os rituais ensejavam uma base cultural de mediação do homem e da natureza, ainda não dicotomizada pelas relações produtivas engendradas na Antiguidade ou nos novos entornos sociais do capitalismo estabelecido no sistema mundo, com seu centro e sua periferia.

Logo, é na sociedade capitalista que as mediações se tornam mais complexas, onde o valor atua como mediador das relações humanas e de acesso à natureza (RODRIGUES, 2002, p. 12). Mas, à medida que o trabalho se diversificava e se tornavam mais complexas tanto a técnica como a tecnologia, essa primeira divisão do trabalho foi sendo superada pela divisão entre o trabalho material e o trabalho intelectual. Passava a haver, quanto à função imediata do indivíduo no meio social, um trabalho realizado pela mente e um trabalho realizado pelas mãos, sendo o primeiro entendido como afastado da prática humana, um produto da consciência humana e não de um órgão. Cada indivíduo ficou limitado a esferas profissionais particulares, exclusivas, não devendo sair delas, sendo unicamente caçador, operário, professor ou administrador. Com essa divisão, o trabalho e seus produtos passaram a ser, qualitativa e quantitativamente, distribuídos de forma desigual (MARX E ENGELS, 1996, p. 44-48). Também as relações homem-natureza assumem novos postulados, em que novas perspectivas são assumidas no lucro, exigindo um uso mais acelerado dos recursos naturais extraídos pelo trabalho (RODRIGUES, 2002, p. 12).

Conclusão

A partir de nossas breves observações, entendemos que é necessário, no referencial das ciências sociais, restabelecer a centralidade da categoria trabalho para entender a vida humana (SILVA, 1997), retomando a compreensão do trabalho como ação que “produz a natureza humana na mesma medida em que a delimita e a diferencia da natureza puramente animal, através de uma apropriação específica do próprio mundo natural” (COGIOLA, 2002, p. 183).

Dentro desse panorama, teríamos dois breves apontamentos: a) Na sociedade refletida por Marx e Engels, o trabalho com as mãos é ato de rebaixamento do homem, ficando condicionados a seres “inferiores”. Um outro tipo de “trabalho cerebral”, recebe importância maior, sendo muitas vezes não considerado trabalho, esquecendo-se inclusive que depende de um órgão do corpo humano, o cérebro. Do mesmo modo, esquecemos que não há trabalho puramente cerebral ou puramente manual, sendo a prática uma parte constitutiva do aprendizado. Olvidamos também que aqueles trabalhadores supostamente menos relevantes, os que trabalham com as mãos, são os que produzem as riquezas materiais que servem para suprir as necessidades humanas. Se negamos ao trabalho sua importância fundamental, negamos nossa própria história, a história do “animal racional” (no puro sentido Aristotélico) que chegou a ser o que é, a tornar real um mundo de sonhos e maravilhas, ou de até, no pessimismo revolucionário, ser incapaz de transformar suas relações sociais pelo trabalho (GORZ, 1987. p. 85); b) por fim, asseveramos que Engels, da mesma forma que Marx, deixou cristalizado em sua obra a participação do homem na natureza, de sua posição diferenciada ao comparar com as outras espécies vivas, de sua presença modificadora. Neste movimento a própria natureza humana é construída e modificada constantemente e, segundo a abordagem marxiana-engelsiana, com o surgimento do modo de produção capitalista, com o aparecimento da burguesia explorando os trabalhadores e degradando a natureza. De tal conseqüência histórica, surge a possibilidade histórica dos oprimidos construírem a transformação por completo do modo de produção existente e, com ele, a ordem social vigente ao mesmo tempo em que ressignifique a relação das sociedades com a natureza, produzindo outras relações socioambientais

David Harvey adquiriu fama com a publicação, em 1989, de Condição pós-moderna. engendramento de uma nova sensibilidade ou do sentimento qualificado como pós-moderno) com a emergência de modalidades diferentes, mais flexíveis de acumulação do capital, isto é, ao início de um novo ciclo de “compressão do tempo-espaço na organização do capitalismo”. Isso não significa, no entanto, que ele endosse a tese do surgimento de uma sociedade pós-capitalista ou mesmo pós-industrial, ao contrário. Para Harvey, o pós-modernismo não significa apenas uma mudança no estatuto da produção cultural, sinaliza também uma modificação no próprio modo de vida com a generalização de novas práticas, experiências e formas de vida. Em sua obra anterior, Os limites do capital (1982), Harvey examinou a teoria marxista das crises econômicas. Nesse registro, compreende o pós-modernismo como uma ruptura com o modelo de desenvolvimento do capitalismo prevalecente no pós-guerra. Desde a recessão de 1973, a forma de acumulação predominante, o fordismo, foi minada pela crescente competição internacional, por baixas taxas de lucros corporativos e por um processo inflacionário em aceleração, processo esse que mergulhou a economia capitalista numa crise de superacumulação.

A resposta da classe capitalista e dos governos dos países centrais a essa situação desdobrou-se como um novo regime de acumulação “flexível”, no qual o capital ampliava sua margem de manobra intensificando a flexibilidade dos mercados de trabalho – privilegiando contratos temporários, a incorporação de força de trabalho imigrante etc. –, dos processos de fabricação – pela via da transposição de unidades fabris para outros países ou regiões –, da produção de mercadorias – por processos just in time, por lotes de encomendas etc. –, nos mercados financeiros – desregulamentados nas transações atinentes ao câmbio, ao crédito e aos investimentos.

Essa nova forma de acumulação fornece a base para a cultura pós-moderna, para uma sensibilidade ligada à desmaterialização do dinheiro, ao caráter efêmero das moedas, à instabilidade da “nova economia”.

acumulação e as estratégias políticas, diplomáticas e militares que denomina “acumulação por espoliação”, renomeando o arsenal de práticas que Marx chamava de acumulação primitiva.

A predecessora mais ilustre dessa posição foi Rosa Luxemburgo. Harvey compartilha com ela a tese de que a acumulação capitalista não prescinde de alguma espécie de ambiente externo. Discorda, no entanto, que esse “outro” seja sempre uma forma de produção pré-capitalista. O próprio capitalismo, em sua geografia e história, pode produzir esse “exterior”, como no caso do desemprego em massa que amplia o exército industrial de reserva. Tampouco concorda que a sucessão de crises que perpassa o capitalismo seja explicável pelo “subconsumo”. Para Harvey, as crises advêm da dificuldade em absorver de forma lucrativa os excedentes de capital e são, portanto, “crises de sobreacumulação”. Sua resolução acarreta tanto a desvalorização de ativos e a destruição de regiões como configura uma nova paisagem espaço-temporal para acomodar a perpétua acumulação de capital e, sua companheira inseparável, a acumulação interminável de poder.

Essa teoria permite a Harvey explicar de forma convincente os principais fenômenos político-econômicos dos últimos 35 anos, apresentando a financeirização, a globalização e a política neoliberal como estratégias da “acumulação por espoliação”. Seu predomínio manifesta-se na vida política por meio da cisão dos movimentos antiglobalização, divididos entre a esquerda socialista – cuja ênfase na reprodução ampliada coloca como central a luta anticapitalista –, e os novos movimentos sociais que tendem a assumir formas difusas, fragmentárias e avessas ao controle do aparelho de Estado, posto que seu combate prioritário é contra a espoliação. Para explicar o pós-modernismo, Harvey recorre ainda ao arsenal teórico da “escola da regulação”, em particular, à sua famosa distinção entre “regime de acumulação” e o “modo de regulação” social e política que lhe é associado. Nesse diapasão, Harvey identifica no pós-modernismo uma ruptura com o modelo de desenvolvimento capitalista prevalecente desde 1945. A partir da recessão de 1973, a forma de acumulação predominante, o fordismo, foi minada pela crescente competição internacional e pela combinação de baixas taxas de lucros corporativos e de um processo inflacionário em aceleração. A soma desses fatores desencadeou uma crise de superacumulação.

A resposta da classe capitalista e dos governos dos países centrais a essa situação desdobrou um novo regime de acumulação. Nesse regime, denominado “flexível” por Harvey, o capital retomou sua margem de manobra e seu controle sobre o mercado de trabalho. Sua principal estratégia foi a “precarização” das relações trabalhistas, com o estabelecimento de contratos temporários e a incorporação de força de trabalho imigrante.

Contribuíram para tanto outros fatores como a transposição – em busca de custos reduzidos – de unidades fabris para outros países ou regiões. A produção de mercadorias também foi revolucionada por processos just in time, pela prioridade dada aos lotes de encomendas etc. A principal transformação, no entanto, ocorreu nos mercados financeiros com a desregulamentação das transações em moedas (câmbio), crédito e investimentos. Esse novo regime de acumulação forneceu o solo para a cultura pós-moderna, para uma nova sensibilidade moldada pela desmaterialização do dinheiro, pelo teor efêmero da referência monetária, pela instabilidade econômica.

J. Estáline – O Materialismo Dialéctico e o Materialismo Histórico.

“ O materialismo dialéctico é assim chamado, porque a sua maneira de considerar os fenómenos da natureza, o seu método de investigação e de conhecimento é dialéctico e a sua interpretação, a sua concepção dos fenómenos da natureza, a sua teoria é materialista.”  Segundo o método dialéctico “os fenómenos da natureza estão eternamente em movimento e em transformação e o desenvolvimento da natureza é o resultado do desenvolvimento das contradições da natureza, o resultado da acção recíproca das forças contrárias da natureza( “Le Materialisme Dialectique et le Materialisme Historique (edições em Línguas Estrangeiras- Moscovo, 1951)

A natureza “como um todo único, coerente, em que os objectos, os fenómenos, estão ligados organicamente entre eles, dependem uns dos outros e condicionam-se reciprocamente.” “Ao contrário da metafísica, a dialéctica encara a natureza, não como um estado de repouso e de imobilidade, mas como um estado de movimento e transformação perpétuos”. E cita Engels : “Toda a natureza, diz Engels, das partículas mais ínfimas aos corpos maiores, do grão de areia ao Sol, do protiste (célula viva primitiva. . Estáline) ao homem, está empenhada num processo eterno de aparecimento e desaparecimento, num fluxo incessante, num movimento e numa transformação perpétuos. (Dialéctica da Natureza, F. Engels). E, mais, adiante: “A natureza, diz Engels, é a pedra de toque da dialéctica e é necessário dizer que as ciências modernas da natureza forneceram, para esta prova, materiais que são extremamente ricos e que aumentam cada vez mais; assim, provaram que a natureza, em última instância, comporta-se dialecticamente e não metafisicamente(…)”. Continua a citá-lo abundantemente. E a extrair consequências políticas!! Tanto da dialéctica aplicada aos fenómenos sociais e históricos (o que não surpreende), como ddas suas “leis” que regem a natureza, por exemplo, “a passagem das mudanças quantitativas lentas a mudanças qualitativas bruscas e rápidas” passa para as revoluções….”Por consequência, para não nos enganarmos em política, é preciso sermos revolucionários e não reformistas.”

A política e a ideologia

Domenico Losurdo

O socio-centrismo, antropocentrismo e antropomorfismo, eurocentrismo (Ocidente), egocentrismo

Ao colocar o pólo material como primado, Marx critica a “objetivação” que Hegel faz do pensamento contemplativo como o “único comportamento objetivo”. Critica a valorização do pensamento especulativo como o trabalho que impulsiona a dialética. “O materialismo de Marx, como o oposto rigoroso do idealismo de Hegel, encontra precisamente no trabalho humano o equivalente dialético do trabalho do pensamento que impulsionava a Lógica. E porque o trabalho é para Marx uma relação de produção definida por seu conteúdo material, o trabalho como relação dialética fundamental define, em toda a sua extensão, o significado materialista da dialética”.

O ponto de partida não é a consciência, o trabalho intelectual, mas o homem em seu processo vital, em seu trabalho produtivo com a natureza. Desde este ponto de vista, o materialismo marxista nos aparece como uma ‘antropogênese’ [...]”. O trabalho, como relação dialética fundamental, opera essa “antropogênese” numa relação ativa e recíproca entre o homem e a natureza.

Há a dialética homem e natureza na produção dos meios vitais necessários para a manutenção da vida. A natureza só adquire significatividade para o homem quando da exteriorização do homem e este só possui significatividade em uma natureza: “Um ser que não tenha sua natureza fora de si não é um ser natural, não faz parte da essência da natureza. Um ser que não tenha nenhum objeto fora de si não é um ser objetivo. Um ser que não é, por sua vez, objeto para um terceiro ser não tem nenhum ser como objeto seu, isto é, não se comporta objetivamente, seu ser não é objetivo. Um ser não objetivo é um não-ser”.

O materialismo de Marx é um materialismo dinâmico, que relaciona homem e natureza, natureza e homem. Mesmo tendo o primado da matéria, do pólo objetivo, o seu oposto – o espírito, o homem, a subjetividade – não é colocada como mero reflexo do primeiro pólo. Pois pela práxis (que une teoria e ação, objetividade e subjetividade) dá-se a dialeticidade da relação homem-natureza, objetivo-subjetivo. Esclarecedor da perspectiva singular do materialismo de Marx e que o distingue de outros materialistas é este trecho da Teses sobre Feuerbach: “O defeito principal de todo o materialismo conhecido até hoje – inclusive o de Feuerbach – é que a realidade concreta e sensível não é aí concebida senão  sob a forma do objeto ou da representação, e não como atividade sensorial do homem, como prática humana, ou seja, não subjetivamente... Feuerbach tem em vista os objetos concretos, realmente distintos dos objetos do pensamento; entretanto, ele não considera a atividade humana em si mesma como atividade objetiva... Por conseguinte, ele não apreende a significação da atividade ‘revolucionária’, prático-crítica”. Quanto à questão teleológica, o pensamento complexo nos ajuda a evitá-la ao mostrar-nos a não-linearidade, a possibilidade de “saltos” no desenrolar histórico, que não necessariamente signifique positividade. Ainda mais, se pensarmos nas possibilidades das ações humanas que podem se voltar tanto para a positividade quanto para a negatividade. A teleologia, se não bem dosada, é sempre perigosa, pois predispõe à “mania de videntes” e pode nos levar a querer tudo compreender e a impor um futuro já dado de antemão (conseqüências que o século XX não deixou de experimentar com os regimes totalitários e a lógica do fim da história).

Quanto á confiança exarcebada na ciência, o auxílio da complexidade nos dá a compreender e a conhecer que a ciência não é a única forma de apreensão do real. A ciência, por mais importante que seja não detêm o monopólio da apreensão do mundo, e sozinha, isolada da companhia das assim chamadas humanidades, corre o risco de errar pelos caminhos da autodestruição humana.

Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o neoliberalismo conseguiu muitos dos seus objetivos, criando sociedades marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizadas como queria. Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num grau com o qual seus fundadores provavelmente jamais sonham, disseminando a simples idéia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a suas normas. Provavelmente nenhuma sabedoria convencional conseguiu um predomínio tão abrangente desde o início do século como o neoliberal hoje. Este fenômeno chama-se hegemonia, ainda que, naturalmente, milhões de pessoas não acreditem em suas receitas e resistam a seus regimes. A tarefa de seus opositores é a de oferecer outras receitas e


 

 

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