CRÍTICA DA RAZÃO CONSENSUAL- Fascismo versus comunismo
Capítulo I- O
Pavilhão da Mentira
«Somente
duas coisas são infinitas: o Universo e a estupidez humana. E não estou seguro
quanto à primeira.» Albert Einstein
Celebramos o
centenário da Grande Revolução Socialista Soviética. Sociedade sonhada de mil
maneiras pelos oprimidos de sempre nos cânticos de trabalho servil, nos
romances utópicos, nas revoltas camponesas, nas grandes revoluções da
Modernidade, nas experiências sociais de visionários, nas insurreições dos
escravos nas Américas, na Comuna de Paris, no potencial subversivo do génio
artístico. Contra esse acontecimento pioneiro na história da Humanidade
assistimos a velhas e redobradas campanhas da Direita neoliberal. Assistimos à
reinvenção de velhas mentiras contra o Acontecimento que rompeu com milhares de
anos de História e marcou de forma indelével o mundo nos cem anos que se
seguiram.
Os comunistas são alvos constantes de calúnias, desde logo
no decurso das vidas admiráveis de Karl Marx e Friedrich Engels. Alvos da fúria
assassina do nazi-fascismo, alvos na “Guerra Fria” promovida pelos EUA e seus
aliados, continuamente até ao período presente. Perseguidos e caluniados
inclusivamente todos aqueles democratas que apenas manifestaram alguma simpatia
e compreensão com os comunistas, como se verificou no período de a “caça às
bruxas” do macarthismo, na ditadura
de Salazar-Caetano e no Chile sob a ditadura de Pinochet. A “Guerra Fria” não
foi senão o curso de sucessivas “guerras quentes”, desde a Coreia ao Vietnam e
ao Médio Oriente, da África à América Latina, sem esquecermos a nossa Revolução
dos Cravos.
Não é somente a extrema-direita que odeia os movimentos,
partidos e governos que se reivindicam do projeto socialista e comunista, são
todas as formações políticas pró-capitalistas, qualquer que seja o seu nome. Os
nomes são palavras; com estas tanto se diz a verdade como se mente.
Nacional-Socialismo, Estado Corporativo, Estado Novo, democracia orgânica,
Frente Nacional, democracia…tudo são palavras para disfarçar uma finalidade
principal: a acumulação de capital e a taxa de lucro conveniente.
O ódio, a difamação, a mentira, não têm limites. A “moral”
da Política é, sobretudo, a política da Economia. Quem quer que queira
honestamente conhecer a verdade pode somar os milhões de mortos de todas as
guerras contra o socialismo e o comunismo. Compreenderá facilmente que o
principal inimigo, o alvo e a vítima, desde há quase duzentos anos, do Capital,
são os trabalhadores e os povos que dele se querem libertar.
Um jornalista da televisão pública que destila notícias
distorcidas na mente dos portugueses que pagam a dita é também romancista. Dá
pelo nome de José Rodrigues dos Santos. Lamentavelmente, vende bem a má
mercadoria.
Obriga-nos a prestar-lhe atenção, quando, como escritor, não
perderíamos com ele um minuto sequer. Trata-se dos seus últimos livros, “As
Flores de Lótus” e «O Pavilhão Púrpura». E ameaça-nos com uma trilogia…
O livro narra as deambulações de quatro personagens
distintas, na China, Japão, Ucrânia e Portugal, nos anos trinta do século
passado, década que antecedeu a Segunda Guerra Mundial.
O romance carece de envergadura literária e não permanecerá
na história da literatura mais tempo que outras novelas de “aeroporto”
igualmente de grande sucesso comercial. Contudo não me ocuparei a demonstrar a
técnica astuta que caracteriza essa literatura comercial vulgar: o uso
abundante de clichés, o arranjo de personagens estereotipadas, a esperteza de provocar
sentimentos mórbidos, os diálogos postiços.
Os acontecimentos (a guerra civil na China, a ascensão do
fascismo no Japão, a coletivização da agricultura na União Soviética) são
narrados com o artifício da simplificação e com o recurso ao velho esquema
novelesco dos “bons” e dos “vilões”, maldade pura e pura inocência. A
subjetividade é o ingrediente fundamental de um escritor: narra conforme ele
sente e julga. Mas, no caso que me importa, é um juízo de valor apriorístico
que distorce deliberadamente os factos objetivos.
Qual é, então, a mensagem política que nos obriga a
desmentir categoricamente?
A seguinte: o nazi-fascismo tem origens no marxismo![1]
Se o leitor à partida repudia o nazi-fascismo, então que ele saiba que mais
diabólica é a doutrina que o gerou. Nem mais.
J. R. dos Santos deita mão do truque do narrador iluminado
que descreve a maldade de uma “monstruosa” doutrina e suas vítimas (gente
angelical sem preconceitos, ideologias, contradições).
De Salazar compõe-se o retrato de um estadista
“maquiavélico” mas com um sentido positivo: astuto mas desinteressado. No
livro, em um diálogo com um militar que mostra antipatizar com a fação do
«Nacional-sindicalismo», Salazar explica-lhe que a Mocidade Portuguesa e outras
organizações servem apenas para apaziguar os adeptos fascistas de Rolão Preto;
e que se inspirou na Carta del Lavoro
de Mussolini porque é preciso “concentrarmo-nos no que essas correntes têm de
meritório”. O ditador é tratado por presumida vox populi como o “Toninho”. Uma ternura.
Em declarações públicas J.R. dos Santos em sua defesa
recorre aos chamados «historiadores revisionistas» como se estes tivessem sido
autoridades científicas indiscutíveis, quando, na verdade, têm sido desmentidos
e mesmo em alguns casos ridicularizados pelos seus pares.[2]
O pensamento de J.R.
dos Santos é uma amálgama de contradições e juízos falaciosos: o fascismo
(refere-se ao italiano? ao nazismo?) “é uma das revisões do marxismo”. O que
sobra então do original? Nada, porque, segundo ele, na realidade o fascismo é a
origem do marxismo. É marxista o nacionalismo e o “socialismo” do
Nacional-socialismo, o partido de Hitler. «Até que ponto um revisionismo ainda
é marxista?», pergunta a criatura; pois, essa é a questão a que ele devia
responder. Enfim, diz ele, «as origens…são em geral, múltiplas e variadas».
Pois são. Provavelmente do próprio liberalismo…Do pensamento de Marx é que não
há sinal nenhum.
J.R. dos Santos vai
buscar apoio em Georges Sorel e Otto Bauer.
Capítulo II- Sorel e Bauer
O pensamento de Georges
Sorel (1847-1922) percorreu várias fases muito distintas. Inicialmente
adepto do chamado “determinismo científico” (essa espécie de “marxismo” sem
Marx) passou-se rapidamente para a versão, sempre revisionista, do marxismo
como uma “doutrina ética”, ao modo de Bernstein e dos neo-kantianos. Do
determinismo para o reformismo, estes paradoxos são bem conhecidos pelos
marxistas. Novo trânsito: do reformismo para o voluntarismo do “sindicalismo
revolucionário”. Embora um fruto das condições objetivas e subjetivas da época,
à sua personalidade peculiar convinha esta escolha. Publica Réflexions sur la violence (1906), que o
tornam célebre, onde advoga que na “guerra de classes” só os “mitos” possuem
força suficiente para mobilizar as massas. Por conseguinte, as ideias apenas
como mitos é que podem materializar-se com ímpeto revolucionário. A sociedade
capitalista estava condenada, assistia-se ao seu declínio, porém ela somente
seria derrubada por ações violentas, nomeadamente a “greve geral”. Desencantou-se,
contudo, com o “sindicalismo revolucionário”, porque deste não brotou revolução
alguma e… passou-se para a Direita. Tendo toda a vida enfatizado a “ação”
voluntarista, acabou a admirar Mussolini! Sorel nunca foi realmente marxista;
nem foi, é necessário dizê-lo, um fascista. Sendo certo que marcou
profundamente o “sindicalismo revolucionário” e sendo certo também que o
fascismo beneficiou muito com os seus livros.
Indiscutivelmente uma personalidade profundamente
contraditória, dotada de enorme talento, com inegável influência num
determinado período tumultuoso da história da Europa. O messianismo, os mitos e
as utopias proliferavam em todos os quadrantes, na esquerda e na direita.
Nessa época o positivismo que fora predominante no
pensamento burguês-liberal sofria já ataques e rejeições da intelectualidade. O
“darwinismo social”, entrosado com filosofias dos “vitalismos”, impregnava as
correntes ideológicas. Verificou-se isso em Portugal inclusivamente. Tanto na
direita reacionária como em sectores da esquerda republicana. Conjugado com os
nacionalismos fornecia um caldo favorável aos racismos. Desacreditado o
racionalismo positivista, sem outro racionalismo burguês alternativo, abriu-se
caminho a todo o tipo de irracionalismos. A “Destruição da Razão” (título de um
livro célebre de G. Lukács) estava em marcha. As críticas à “Razão
instrumental”, “manipuladora”, “burocrática”, advenientes de Max Weber, entre
outros, encontram interpretações ideológico-políticas muito diferentes na
Direita (Heidegger, Jünger, Klages) e na Esquerda (A Escola de Frankfurt-
Horkheimer, Adorno), sendo que a receção e assimilação pelos públicos é
confusa, isto é, parecendo que a Direita defende o mesmo que a Esquerda. A
valorização dos mitos não é uma originalidade de Sorel, embora este houvesse
sido o mais escritor mais influente à época, é um legado do Romantismo.
Horkheimer e Adorno, muito depois de Sorel, demonstrariam a responsabilidade do
Iluminismo e do liberalismo na produção dos novos mitos da Modernidade e,
consequentemente, o fascismo não estava disso desligado. No nazismo
expressa-se, por exemplo, nas expressões “sangue”, “terra”, “heroísmo”. Esses
apelos constituem ingredientes fundamentais dos movimentos de massas na
Alemanha nazi em políticas de “vida saudável” desportiva ou campesina, nos
imponentes cenários que pareciam fascinar a juventude. E na guerra e na
violência. Ao mesmo tempo que confluíam para as cidades contingentes de
camponeses pobres, a intelectualidade dedicava-se a demolir o modo de vida
“burguês”, acomodado e “normalizado”. Símbolo deste “burguês” era o Judeu…Os
mitos confundem-se com os preconceitos.
Sorel defendeu que a
revolução teria de ser provocada por uma vanguarda com recurso à violência;
porém, tal tática voluntarista já fora defendida muito antes por Louis-August
Blanqui (1805-1881, o blanquismo foi muito influente na Comuna de Paris de
1871) e por Mikhail Bakunine (1814-1876, doutrinário anarquista adversário do
marxismo). Marx, como é sabido, combateu com dureza as teses anarquistas de Bakunine.
E não foi seguramente em Sorel que Lenine e os bolchevistas se inspiraram, mas
nas condições concretas da Rússia no período entre Fevereiro e Novembro
(Outubro) do ano transcendente de 1917.
Em suma: Georges Sorel foi um efeito da mentalidade da época
e da crise da ideologia burguesa liberal, como foi, ele próprio, um catalisador
dessa crise. Os seus escritos que, em rigor, em nada se sustentavam na Teoria
Crítica de Marx, foram inegavelmente muito influentes no sindicalismo
revolucionário anarquista que disputava a hegemonia com a doutrina
marxista-leninista no espaço ideológico e político dos movimentos operários
europeus nos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial.
Otto Bauer – 1881-1938
Foi, numa primeira
fase da sua vida, um notável filósofo austríaco.[3]
Colaborou com o teórico reformista Karl Kautsky (1854-1938) na revista que este
dirigia, Die Neue Zeit. Em 1907
publicou um estudo pioneiro no marxismo sobre a questão das nacionalidades e do
nacionalismo, a pedido de Viktor Adler. Fundou com Karl Renner (importante
estudioso do Direito burguês-liberal) a revista teórica do partido
social-democrata Der Kampf. Em 1936
publicou um famoso estudo do fascismo.[4]
O chamado “austro marxismo”, o qual mais tarde influenciou a “Nova Esquerda” e
o “eurocomunismo”, deveu-se a Bauer, Adler, Renner e Rudolph Hilferding e
Friedrich Adler, todos eles destacados dirigentes do partido social-democrata
(revisionista) da Áustria. Otto Bauer censuraria asperamente a Revolução
dirigida pelo partido bolchevique, opondo-lhe uma “terceira via” não violenta,
não dirigista e não burocrática, no seu entender; na prática, colaborou ativamente
na repressão violenta das ações revolucionárias da classe operária. Bauer foi
de facto um revisionista que municiou com argumentos os inimigos das revoluções
socialistas dos trabalhadores.
Ainda assim, não é correto desprezar obras suas importantes
na época, como, por exemplo, A Questão
das Nacionalidades e a Social-Democracia.
O problema das autonomias e independências nacionais era, de facto, um problema
real e candente nas condições concretas daquela época antes da Primeira Guerra
e durante o período entre as Guerras Mundiais. O nazi-fascismo interpretou-o a
seu modo: chauvinismo militarista, expansionista e imperialista, racista e
colonialista. A Áustria, pátria de Bauer, havia sido a cabeça de um império que
ruiu com a Primeira Guerra, desencadeando-se, por consequência, tremendos
problemas com as nacionalidades. Os respetivos partidos social-democratas
dividiram-se por causa das “suas” nacionalidades, impregnando de nacionalismos
a doutrina socialista (tal como se haviam oposto, uns, a favor, outros, da
intervenção dos seus países na Primeira Grande Guerra). A atitude das
social-democracias de oposição ativa às revoluções operárias, porque as achavam
sempre de inspiração bolchevique (e russa), era usual, a sua marca distintiva
digamos assim, mas nem por isso merecem de modo algum ser colocados numa frente
unida com os nazi-fascismos. Otto Bauer defendeu que a “Nação” e o nacionalismo
eram termos e temas que serviam melhor a mobilização das massas que a luta de
classes, pensando evidentemente no seu próprio país. Em que é que esta tese é
marxista, se não na mais espúria revisão? Por outro lado, no seu texto «O
Fascismo», de 1936, um escrito notável e pioneiro sobre os movimentos de massas
fascistas, Bauer sustentava então que a principal tarefa do nazi-fascismo era
destruir o movimento operário, nomeadamente o reformismo.[5]
Os «revisionistas históricos»
No fim dos anos oitenta alguns historiadores provocaram uma
acesa polémica nos círculos académicos franceses e alemães. O assunto
prendia-se com as comemorações do bicentenário da Grande Revolução Francesa
(1989), porém, depressa alastrou para o real objetivo: atacar o socialismo e o
projeto comunista e dar assim uma mão à destruição da URSS. Foi, de facto, uma
manobra habilmente concertada. Surpreendeu e indignou historiadores probos o
desrespeito pela prova documental e a revisão descaradamente ideológica de
factos comprovados. No caso da Alemanha os “revisionistas históricos” serviram
conscientemente os objetivos da campanha orquestrada pela coligação
democrata-cristã que visava ganhar as eleições, tendo como pretexto a visita do
presidente Reagan ao cemitério alemão em Bitburg, em 8 de Maio de 1985.[6]
A corrente do “revisionismo histórico”, iniciada nos anos
80, acusa as revoluções de todos os males, a começar pela própria Revolução
Francesa, salvaguardando cuidadosamente a Revolução Americana que, aliás, lhe é
anterior (pois esta não afetara os interesses dos latifundiários
esclavagistas). Coloca na França, portanto, as origens das revoluções da época
moderna, ou seja, socialistas, pois, segundo eles, foi a Revolução jacobina que
transmitiu o vírus do “Terror” às revoluções comunistas.
O revisionismo histórico na sua vertente mais reacionária
inculpa os comunistas de todos os males do mundo, não somente o chamado
“estalinismo”, mas o próprio marxismo.
Deste modo encontram-se todos à mesma mesa: os críticos
antiliberais reacionários do século dezanove que odiaram a Revolução Francesa e
os “revisionistas históricos” neoliberais nossos contemporâneos. Sem
contradições.
Ernst NOLTE
O caso de Ernst Nolte (1923-2016) é elucidativo. Esta figura
principal do «revisionismo histórico» germânico foi aluno e, depois, amigo de
M. Heidegger e de Eugen Fink, filósofos nazis como se sabe. Construiu a ficção
de que o nazismo foi um movimento reativo ao bolchevismo e, daí, que os campos
de extermínio tivessem sido uma repetição consequente à “política de
extermínio” de Estaline na Ucrânia. O “genocídio de uma raça” correspondia ao
“genocídio de uma classe” (os kulaques ou camponeses ricos). Gozando de
prestígio intelectual provocou uma intensa querela afirmando que a Alemanha, o
seu povo, necessitava de ser reabilitada da má imagem que o regime nazi lhe
colara até à data (anos 80), e que merecia um novo nacionalismo. Afinal, a
Alemanha (leia-se: o regime Nacional-Socialista) respondera com a guerra à
ameaça da invasão dos “vermelhos”, uma espécie de política legítima e
patriótica…Historiadores e filósofos reputados (Habermas, Benjamin Weber,
Eberhard Jäckel) manifestaram publicamente a sua indignação, argumentando que
estas teses mirabolantes serviam um propósito (voluntário ou involuntário):
justificar os horrores perpetrados pelos nazis. Pelos vistos tais teses não
desapareceram do arsenal anticomunista dos pequenos Rodrigues dos Santos deste
pequeno mundo.
Robert CONQUEST
Uma das figuras de
proa dos «revisionistas históricos», o historiador britânico Robert Conquest
(1917-2015), publicou alguns livros de grande sucesso nos círculos neoliberais,
nomeadamente «O Grande Terror» (1968) e Harvest
of Sorrow (1986), ambos largamente aproveitados em documentários para
televisão e abundantemente citados pelos seus confrades. Deu um importante
contributo para a reeleição de Reagan e para a corrida aos armamentos com o
livro Que fazer quando os russos
chegarem: um manual de sobrevivência, uma autêntica peça de terrorismo
psicológico. Escreveu discursos para Margarete Thatcher e deu-se muito bem com
a belicista Condoleeza Rice. Tudo bons amigos. Foi, evidentemente, galardoado
com a “Medalha Presidencial da Liberdade” em 2015, por Georges W. Bush. Aderira
ao Partido Comunista britânico em 1937, do qual, obviamente se afastou em 1945.
Na realidade fora espião na Segunda Guerra Mundial. Manteve-se a trabalhar num
departamento de contrainformação (IRD) dos serviços secretos ingleses. Quais
foram as fontes principais dos seus livros sobre a coletivização e a fome na
Ucrânia? Foi buscar informação e testemunhos aos antigos efetivos da divisão
Waffen-SS Galitchina e do “Exército
Insurrecional Ucraniano” que a perpetraram a “limpeza étnica”![7]
Capítulo II- Elementos para uma história do Terror
A propaganda anticomunista procura instalar a convicção de
que a violência está associada ao comunismo. Na realidade, a violência dos
pobres e oprimidos foi sempre provocada pela opressão cruel e violenta que cria
os pobres e os subjuga. A revolta dos escravos e da plebe na Antiga Roma, dos
camponeses no feudalismo, do povo de Paris em 1789 e em 1871…Os jacobinos foram
inegavelmente violentos. E o Antigo Regime? A Reacção restauracionista (após a
derrota de Napoleão) não foi menos brutal que o governo pequeno burguês dos
jacobinos. A guerra que o império inglês conduzira contra as colónias
norte-americanas, antes da Revolução Francesa, não foi menos brutal. A reacção
da Vendeia, durante a Revolução Francesa, fomentada pelos aristocratas
foragidos conluiados com os britânicos, fez muitas mais mortes que todos os
aristocratas guilhotinados pelos jacobinos.
A Primeira Guerra Mundial foi muitíssimo mais violenta
(vinte milhões de mortos) que a insurreição bolchevique na Rússia de 1917 (com
escassas vítimas). O regime dos czares foi uma longa história de opressão e
brutalidade sem limites (a manifestação pacífica de 1905 foi esmagada a tiro e
com cavalaria).
Os anarquistas começaram por aplicar a “ação direta”
(recorrendo a táticas de violência) para mais tarde, depois da repressão dura
dos seus efetivos, optarem pelo “sindicalismo revolucionário”, que acreditava
preparar pela propaganda as massas para a greve geral que arruinaria o
capitalismo. Alguns atos cometidos por grupos anarquistas radicais ou isolados
das massas provocaram graves consequências. No entanto, o anarquismo em geral
era e é pacifista (o anarquismo libertário proudhoniano, por exemplo). Como é
sabido, não teve origem alguma na Teoria comunista de Karl Marx.
Nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial, todos os
países de regimes liberais reprimiram violentamente as associações populares e
as greves operárias. A Grã-Bretanha, dita democracia exemplar, muito embora
houvesse recorrido menos que outras nações à repressão violenta direta dos
movimentos operários, usou-a desde o século dezanove. Lembre-se nomeadamente a
extrema violência exercida sobre o povo colonizado da Irlanda.
Se a violência cometida pelos bolcheviques no fogo das
guerras civis (guerra conduzida pelos contrarrevolucionários) está inscrita na
matriz ideológica (a tal “ideia comunista”), segue-se logicamente que os crimes
cometidos pelos liberais estão inscritos na “ideia liberal”; pelos
sociais-democratas na “ideia social-democrata”; pelos cristãos das cruzadas,
inquisição e conquistas ultramarinas, na “ideia cristã”; e assim por diante. O
raciocínio perde todas as escalas de valores.
Distorcer o marxismo reduzindo-o a uma “Ideia” maligna é
pura manobra ideológica. Explicar os conflitos sociais sob o esquema de
“conflitos de ideias” é ela mesma uma explicação ideológica com a qual se disfarça e oculta as lutas de classes, a
oposição irredutível dos interesses materiais das forças sociais em presença
num determinado momento do processo histórico. Convertendo a contraditoriedade
objetiva em puros discursos facilita-se qualquer interpretação arbitrária. O
socialismo comunista de Marx-Engels não é uma “ideia” especulativa que se deve
aferir exclusivamente por um julgamento moral. É a expressão dos interesses do
proletariado moderno que luta por libertar-se das relações capitalistas
objetivas que oprimem todas demais classes e camadas subordinadas. De certo
modo, nem sequer é uma “ideia pura” o socialismo utópico de Étienne Cabet e
outros sonhadores generosos.
É oportuno lembrar que os ideais de liberdade e de igualdade
promovidos pelos intelectuais burgueses nunca foi do interesse prático da
burguesia. O recurso à violência para se impedir a sua extensão e efetivação
foi constante. A repressão sobre os “communards”
de Paris de 1871 demonstra-o: mais de vinte mil foram fuzilados e milhares
foram deportados para colónias infectas.
Basta lembrar o extermínio dos índios, a escravatura dos
negros e a sua discriminação violenta até ao presente na dita pátria do
liberalismo; o crudelíssimo colonialismo belga; a invasão da Coreia o apartheid pela minoria branca na África
do Sul em moldes nazis; a invasão da Coreia e do Vietnam; a chacina de um
milhão de comunistas na Indonésia apadrinhada pelos EU; os mortos sem conta no Afeganistão desde o
derrube do governo socialista até aos nossos dias; no Iraque; na Síria. O
capitalismo é uma longa história de barbaridades. A finalidade do anticomunismo
tem sido desviar a atenção dos crédulos.
Mais uma questão em que convém ver claro: a necessidade de
substituir o Estado burguês por um Estado do proletariado (e seus aliados)
implica a sua destruição e toda a destruição é violenta, como decorre da
definição. Mas não significa de modo
algum violência física, eliminação física das pessoas que nele se ocupam. Por mais
violenta que tenha sido a resposta à reacção violenta da classe dominante,
nenhuma revolução conhecida exterminou fisicamente os funcionários públicos…
A tática do terror
Semear o terror
através da violência e da disseminação de boatos foi a tática aplicada pelos
nazis. Não foi indiscriminada, desprovida de finalidades (lembremos o incêndio
do Reichstag). Em 1918 surgiram com a máxima brutalidade os Frei Korps, embrião do futuro partido
nazi, unidades paramilitares de direita. É verdade que em determinado período
verificaram-se alguns ataques violentos à propriedade por parte de grupúsculos
anarquistas, censurada pelos dirigentes da esquerda marxista. A propaganda dos
conservadores empolou esses atentados estendendo-os a toda a esquerda. O SPD
(Partido Social-democrata) não se livrou da acusação: foi ilegalizado a seguir
à tentativa de assassinato do imperador Guilherme I. Algumas organizações
radicais de anarquistas eram constituídas por estudantes e pequenos homens de
negócios frustrados, e aventureiros do lumpemproletariado, que ofereciam à
polícia a justificação que esta desejava para reprimir a esquerda. É preciso
que se diga que a grande maioria de anarquistas rejeitava o homicídio como modo
de atuação política. Em Portugal os «carbonários» que assassinaram o rei, eram
maçons e não anarquistas. Desde o século anterior que a propaganda conservadora
aristocrática-burguesa apelidava de “terroristas” todo e qualquer anarquista,
independentemente de serem realmente grupúsculos voluntaristas e isolados, ou
de serem voluntariosos adeptos do cooperativismo pacífico e reformista. É certo
que, como o dissemos, o “sindicalismo-revolucionário”, típico das primeiras décadas
do século XX, muito forte na Itália e Espanha, propugnava derrubar a burguesia
por meio da “greve geral” prolongada, e isso não sucederia sem alguma
violência. Mas sem terror. A ala esquerda do SPD alemão, de Rosa Luxemburgo e
Karl Liebknecht, fundadores da Liga Spartacus (1916), não advogaram nunca o
recurso à violência que não fosse na insurreição revolucionária das massas
operárias. Jamais ao terror.
Por conseguinte, a tática do terror não esteve, nem está,
inscrita na matriz ideológica marxista, e nem mesmo anarquista. Foram os nazis
que a utilizaram sobre o povo alemão, os judeus, os comunistas e outros
democratas. Sob um clima de medo viveram os portugueses na ditadura mais longa
da Europa.
No século vinte o povo de esquerda do Chile conheceu o terror
da ditadura de Pinochet, o povo do Vietnam, do Laos e do Camboja, viveu e
morreu sob o terror da invasão genocida dos EUA. Os britânicos massacraram o
povo grego pró-comunista no pós-guerra, quem mais se lembra deste morticínio? E
o que foi a “Guerra Fria” senão intermitentemente períodos de terror?
Em suma: a Teoria Crítica de Marx (nomeadamente expressa em
termos de táticas em O Manifesto
Comunista e A Guerra de Classes na
França) não advoga o terrorismo. Quem o utilizou foi o nazi-fascismo. Quem
a elas recorre frequentemente é a CIA e os Altos Comandos político-militares da
administração norte-americana, armando e treinando os recentes terroristas
neonazis do chamado ISIS.
A propaganda imperialista intoxica o povo americano há
décadas continuamente com o espectro do chamado “Grande Terror”. A repressão
política que se verificou no período que precedeu a agressão nazi não foi fruto
de uma estratégia política deliberada,
inscrita no projeto de construção do socialismo, mas precisamente devido às
ameaças externas e às conspirações internas, ao medo e à suspeição. Não se
negando de modo nenhum tais factos, brutais e excessivos, é necessário dizer
que não foram fruto de uma ideologia. Esse foi o caso do regime nazi: desde o
início toda a ideologia e todo o programa do partido de Hitler foi instaurar o
terror interna e externamente para alcançar o poder absoluto e inocular nas
massas ódio e desprezo por inimigos inventados. Tal se verificou também na
sangrenta repressão do povo republicano-socialista; nas valas comuns cujo
paradeiro ainda se desconhece ficou assinalado o ódio homicida dos fascistas
espanhóis. Se o povo viveu sob o terror nos países do socialismo, porque não se
assistiu à irrupção de um ódio coletivo e de uma vontade de justiça espontânea
e violenta contra os dirigentes e os membros das polícias aquando da “queda do
muro”? Quando se esperava uma guerra civil na Polónia (alguns a desejaram) - o
povo “oprimido pelo comunismo” linchando nas ruas os tiranos- nada disto
aconteceu. Nem na RDA.
Fala-se no terror revolucionário; porque não se fala no
terror contrarrevolucionário?
Capítulo III- A doutrina fascista
A doutrina fascista nada tem que ver com o marxismo e as
revoluções populares socialistas. Teve como antecedentes não Marx, mas Charles Maurras
(1868-1925), não o comunismo, mas o “nacionalismo integralista”. Não os
partidos operários socialistas, mas a Action
Française. Não os filósofos socialistas do século XIX (Saint-Simon, Owen,
Cabet, Marx, etc.), mas De Maistre e Bonald. Combateram as repúblicas liberais
não em nome de mais democracia-
democracia popular-, mas contra a
democracia. A doutrina fascista vem, sim, dos “feixes” (fasce) de Milão (“feixe democrata cristão”). No início da Primeira
Guerra Mundial surgiram os “feixes de combate” chauvinistas, a favor da
intervenção italiana. Em 1917, denominam-se “feixe de defesa nacional”.
Mussolini vem do feixe milanês criado em 1919, que se funde com o partido
nacionalista. Dispõem de uma doutrina: unificar as multidões sob a unidade do
Estado. Ter-se-á constituído já em 1914 ideologicamente por essa altura. Para a
formação dessa atmosfera ideológica contribuíram decisivamente os intelectuais D´Annunzio,
Barrès, Sorel, Ezra Pound. Exaltam a nação e a violência das massas (guiadas
pelas hordas de provocadores), recusam o marxismo que odeiam, cultivam o
irracionalismo, manipulam os medos burgueses pela agitação social, exigem a restauração
da ordem. «Tudo no Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado»,
Mussolini. Uma amálgama doutrinária sem teoria.
Os lucros do
patronato
A crise de sobreprodução de 1929 que provocou a forte
diminuição dos lucros do patronato ofereceu a oportunidade que o nazismo
procurava. O grande patronato estava desejoso de fazer acabar de uma vez por todas
com as concessões a que se vira obrigado após a I Guerra Mundial para impedir a
revolução, cedendo à pressão da social-democracia. A Confederação Geral Sindical
alemã, ligada ao SPD (Partido social-democrata) ao mesmo tempo que anunciava as
suas conquistas, assinava com o patronato um protocolo secreto que dava a esta
largo espaço de manobra. Antes e durante a crise de 29 os reformistas
colaboraram, a seu modo caraterístico, com o grande patronato dito “liberal”.
Somente perante a ameaça da ascensão nazi tentaram uma aproximação com os
comunistas, anteriormente sempre recusada. O grande patronato sempre havia
detestado a República liberal de Weimar (1919-1933). O SPD aliara-se de facto,
embora secretamente, ao Estado-maior das Forças Armadas para, em conjunto,
desarticular a agitação operária O movimento operário sempre se mostrara a
favor de fazer avançar as potencialidades progressistas da República. Não em
abatê-la.
Entretanto, a Alemanha tornou-se a maior devedora
internacional dos EUA e o capital estrangeiro impôs condições draconianas, tal
como faz hoje em dia aos países do sul. Todos os meios serviam para atacar os
salários perante o colapso dos mercados e a baixa da taxa média dos lucros. Da
parte dos credores internacionais (EUA) não se manifestava relutância alguma
pela ação “direta” do Partido Nazi, bem pelo contrário. E o SPD? Desempenhava
muito bem o papel de “médico de esquerda à cabeceira do capitalismo”…que o
enjaulou juntamente com os comunistas. Em suma: o lucro é a razão de existir do
capital. Para o elevar todos os meios valem.
O “totalitarismo”
Em Itália o fascismo mostrou-se desde logo como alternativa
ao Estado liberal porque este não se mostrava capaz de impor autoridade nos
sindicatos livres operários. O Estado liberal baseia-se teórica e juridicamente
na “livre iniciativa do indivíduo”, o Estado fascista diz-se “orgânico” na
“colaboração e integração das classes”. A “unidade do Povo” exprime-se na Nação
(“A Nação não se discute”, declarava Salazar, parafraseando Mussolini). Artigo
I da Carta do Trabalho (1927): «a
Nação é um organismo dotado de existência, objetivos e meios de ação superiores
em poder e duração aos dos indivíduos isolados ou em grupos que a
compõem…Unidade ética, política e económica, realiza-se integralmente no Estado
fascista».
A expressão «Estado totalitário» é lançada pela primeira vez
pelo discurso de Mussolini em 28 de Outubro de 1926. A expressão e a doutrina
do “totalitarismo” têm, portanto, origem fascista. Correspondem integralmente,
e por vezes literalmente, às narrativas que fizeram de si mesmos regimes
fascistas em países diversos (Alemanha, Hungria, Roménia, Croácia). O caudilho
Francisco Franco em um dos primeiros discursos após o triunfo declarou o novo
Estado como «totalitário» e explicou porquê.
O Estado fascista, o “Corporativismo”, dirige não só o tempo
de trabalho dos produtores como o tempo depois do trabalho. Organiza, controla
e vigia a vida toda do trabalhador. Submissão absoluta e coerciva do operário. Destruição
da sua cultura e consciência de classe.
Admite que existem
necessariamente classes sociais diferentes, mas passam a ficar integradas em “corporações”
sob a chefia do estado. Abolida a independência e separação de poderes, quem
manda é o chefe do Executivo, o parlamento ou é abolido ou esvaziado de
qualquer poder, anulam-se as liberdades políticas; as polícias e os juízes
vigiam, prendem e torturam os suspeitos de delitos de opinião. A noção liberal e
os direitos correlativos, da esfera privada da vida dos indivíduos, é eliminada.
Proíbe-se o sindicalismo autónomo, considerado principal fator de desordem, os
sindicatos são integrados no Estado ou abolidos simplesmente. Não se admite o
conflito de qualquer género, mesmo para os patrões organizados fora do Estado.
Centralização administrativa absoluta. Não se elege, nomeia-se. O Duce (ou o Führer, ou Presidente do
Conselho) é que sabe, pensa, manda. Para o nazismo racista Volk (Povo) é sinónimo de Nação, enquanto comunidade da mesma raça.
“Tu não és nada, o teu povo é tudo» (A. Hitler). Se o racismo não guiou a ação
de alguns regimes fascistas, como no nazismo, ele, todavia, esteve manifesto
naqueles países que detinham colónias, como se verificou com o colonialismo
italiano (os massacres na Etiópia) e português (o racismo dos portugueses na
ferocidade das conquistas, no tráfico de escravos, nas guerras coloniais).
A Nação e os seus mitos
O desenvolvimento contraditório da Modernidade produziu novos mitos e utopias, como bem esclareceram Horkheimer e Adorno na obra conjunta «Dialética da Ilustração». O mito do Progresso contínuo que viria trazer a felicidade coletiva pela mão do Capital foi desacreditando-se pela prática e entrou em colapso com a hecatombe da Primeira Guerra Mundial. É então que o mito da “Nação” vem competir com a utopia messiânica – que também se propagou- de uma Revolução mundial que realizaria de uma vez por todas as aspirações à paz e à igualdade universais. Os nacionalismos encontram um solo fértil no fim dos impérios austro-húngaro e otomano e oportunistas de todos os matizes aproveitam a fragmentação para provocar divisões em comunidades que antes conviviam com os seus diferentes credos religiosos, tradições e culturas, acicatam ódios entre vizinhos, fomentam vendettas. É nos países, alguns de recente formação, onde as burguesias necessitam de um mercado interno unificado, que a aspiração à independência é alimentada por doses maciças de propaganda a favor de nacionalismos “redentores”. É nessa atmosfera, sob esses interesses regionais conflituantes, que o nacionalismo italiano se denomina «fascismo».
Nos anos precedentes à Primeira Guerra Mundial encontram-se traços de nacionalismos, associados para efeitos de justificação ao racismo, em países que aparentemente não se esperaria: na Grã-Bretanha de Churchill, nos EU de Theodore Roosevelt. A Primeira Guerra revigora esses racismos que visam «naturalizar» ou «biologizar» as diferenças e excluir o inimigo da verdadeira espécie humana: os teutónicos a ocidente, os “genuínos” japoneses a oriente contra os «brancos» e os «amarelos». Deste modo ficavam justificados os morticínios de massas, bombardeamentos de civis, espoliação de territórios, escravaturas. A I Primeira Guerra Mundial foi uma carnificina alimentada pelos nacionalismos. Não foram os fascismos que inventaram os nacionalismos.
O antissemitismo é geral, desde a Europa aos EUA, mas o
racismo nazi antijudaico é adaptado: podem ser outras raças e outros povos. O
que importa é estabelecer uma diferenciação entre autóctones e estrangeiros,
puros e impuros, superiores e inferiores, senhores e escravos. Nos EUA são os
negros.
O nacionalismo transporta um sentido negativo pelo cortejo
de violências a que conduziu em múltiplos exemplos na Europa que culminaram na
Primeira Guerra Mundial. Não se jogue fora, porém, o direito à autodeterminação
dos povos que se sentiam oprimidos por nações estrangeiras ou no interior de
impérios serôdios. O programa dos bolcheviques relevava claramente esse direito
universal e não o subsumia sob a palavra-de-ordem do internacionalismo
proletário. Os textos de Lenine não deixam dúvidas. Contudo, Lenine endereçou
duras críticas às conceções nacionalistas do partido social-democrata
austríaco, nomeadamente, mas também às teses de Rosa Luxemburgo a propósito do
caso polaco. Tais conceções dividiam a classe operária dentro de cada território
do império austro-húngaro, opunham os operários uns contra os outros, em vez
de, sob a bandeira do internacionalismo, defenderem a autodeterminação da
Áustria, Hungria, Checoslováquia, etc. contra a burguesia. A então famosa
definição de Otto Bauer segundo a qual «A nação é o conjunto dos homens
vinculados por uma comunidade de destino em uma comunidade de carácter» não
colheu aceitação alguma por Lenine. De facto, a conceção de Bauer retirava ao
capitalismo toda a sua natureza exploradora e às nações a discórdia interna.
Apesar do seu erro fundamental o livro de Bauer foi uma primeira tentativa de
avaliar o processo de integração que deu origem à nação moderna, utilizando
categorias marxianas. Aí desenvolvia a tese de que as particularidades
nacionais, as identidades, não desaparecerão, antes reforçar-se-ão com o
desenvolvimento do capitalismo. Os acontecimentos nas primeiras décadas do
século na Europa e Médio Oriente (a ascensão da nova Turquia e a guerra brutal
com a Grécia) pareceram demonstrar a tese; as lutas de libertação nacional no
“Terceiro Mundo” outro tanto. O problema é que as ideias de Bauer, Renner e
Adler, apontavam para a possibilidade dos nacionalismos diminuírem, senão mesmo
eliminarem, as lutas de classes e a necessidade de revoluções nacionais no
espírito do internacionalismo proletário que devia unir a classe operária
europeia e mundial, espírito esse expresso na III Internacional, contra o liquidacionismo da II. Contudo, o
revisionista Kautsky criticou acerbamente as conceções de Bauer e Renner
considerando-as prejudiciais à união dos sociais-democratas. As teses de Bauer
colidiam com a orientação que dominava a II Internacional, a qual considerava,
pelo contrário, que as nações se aproximariam entre si conforme se desenvolviam
os processos económicos.
Como se sabe, Marx e Engels não puderam desenvolver a
questão das nacionalidades, muito embora encontremos elementos de um seu enfrentamento
a propósito da questão irlandesa (carta de Engels a Kautsky de 7 de Fevereiro
de 1882). Nos inícios do século vinte urgia esclarecê-la. Foi o que quis fazer
Otto Bauer com a obra que referimos (1907) e, mais tarde, Estaline em 1913 por
incumbência de Lenine («O marxismo e a questão nacional»).[8]
Bauer enfatizou para a formação de uma nação a identidade e a autonomia
cultural; Estaline, o território comum e a coesão económica (a formação de um
mercado nacional). O texto de Estaline, com o aval de Lenine, fez escola na III
Internacional. O chauvinismo nazi não pretendeu “realizar” o programa de Bauer:
o nacionalismo militarista e expansionista que está no cerne do imperialismo
foi a consumação exacerbada das rivalidades inter-imperialistas da Primeira
Guerra Mundial.
As potências do EIXO
O Japão com uma moderna industrialização, vencedor da guerra
com a Rússia czarista, necessitava de recursos, matérias – primas e mercados. A
Manchúria e a China eram os alvos prioritários, seguir-se iam, depois, a
Coreia, a Ásia toda. As forças liberais e pró-ocidentais perderam o apoio
popular perante a impetuosa corrente chauvinista, militarista e imperialista,
que o divino imperador abençoou na década de trinta.
A economia mundial desmoronou-se em 1929. Vastas ondas de desemprego
assolaram todos os países em todos os continentes. Multidões de trabalhadores
desesperados deambulavam pelas avenidas de Berlim e de Tóquio. A crise global
do capitalismo provocou o início das revoltas anti coloniais e os impérios
começaram a abrir brechas irreversíveis. O liberalismo mostrava-se incapaz de
solucionar a crise, parecendo mesmo agravá-la, incapaz de calar o
descontentamento. A leste, todavia, a União Soviética vencera invasões e guerras
civis e mostrava-se quase imune ao colapso iminente da economia mundial, com o
sucesso dos seus planos quinquenais. A Suécia salvava-se também da hecatombe
com governo sociais-democratas e um pioneiro Estado Social. O capitalismo do
seculo XIX chegava ao fim. Realmente entrava na fase dos monopólios e, por
isso, exigia novas formas de dominação e regulação. O fascismo tornara-se uma
solução, com alguns sucessos sobre o desemprego na Itália.[9]
As instituições liberais sobreviveram bem até ao início da
Primeira Guerra Mundial. À época quase todos os países europeus tinham regimes
baseados em eleições e instituições parlamentares. Entre o fim da Guerra e a Depressão
decorreu um breve período de alguma estabilidade social, com satisfação de
reivindicações operárias e fortalecimento dos sindicatos.
No início dos anos
trinta tudo isso terminou ou foi profundamente abalado. Com a Grande Depressão
vai conhecer-se a ascensão do nazismo e do fascismo.
Uma onda reacionária parece varrer os valores que até há poucos
anos prevaleciam nas burguesias em geral e nos trabalhadores: sistemas eleitorais,
parlamentos com amplos poderes, direitos e liberdades públicas e individuais,
incluindo a greve, movimentos trabalhistas, importantes partidos
sociais-democratas, partidos comunistas eleitoralmente minoritários mas
poderosos. Tanto partidos burgueses como partidos com base operária defendiam
os valores herdados do iluminismo e do liberalismo, exceto a Igreja católica,
último bastião do Antigo Regime, assim como alguns filósofos e artistas que
vociferavam contra a Modernidade e a rebelião das massas.
Mas tudo isto recua no início dos anos trinta. A ascensão do
partido nazi difunde a Nova Ordem por
toda a Europa. Não foi um mero slogan,
foi uma realidade sob o punho de ferro da ocupação militar e através de uma
manifesta adesão das ditaduras desde o centro à periferia atlântica.[10]
O nazi-fascismo não foi uma reacção de “defesa” contra a
União Soviética, que realmente não constituiu uma ameaça, porém serviu-se dessa
inventada justificação. Foi um ataque em toda a linha e com antecedentes. Não foi
exclusivamente o comunismo, a Revolução Russa, que provocou a adesão e viragem
de algumas burguesias liberais para a solução nazi-fascista. Haviam falhado as
revoluções na Europa central, os partidos comunistas eram minoritários e
nalguns países francamente irrisórios, a social-democracia pelo menos até à
década de trinta era o principal esteio dos regimes liberais por toda a Europa
do norte e centro, com destaque para a Inglaterra e França. Portanto, donde
vinha o perigo? Na Direita nem todos eram, evidentemente, fascistas, alguns
vieram até a ser reprimidos pelo nazi-fascismo, mas eram quase todos antiliberais,
advogando governos fortes, autoritários, ao colo de militares “glorificados” na
I Guerra Mundial. Não eram pois as revoluções comunistas o perigo para as
instituições e valores liberais. Não foram elas que derrubaram os governos
liberais. A subversão veio de dentro da burguesia, dos setores hostis ao poder
reivindicativo dos movimentos trabalhistas, às conquistas operárias, à luta de
classes. Os conflitos sociais fortaleceram as polícias e os militares, converteram-nas
em bastião defensivo da ordem pública. Na Europa, no Japão, na América Latina. O
anti-sindicalismo espalhara-se, expressão do desconforto pela diminuição da
taxa de lucro, pelos salários demasiado elevados na ótica dos capitalistas,
pela diminuição das horas de trabalho (8 horas). Estes conservadores não eram
de início fascistas mas foram se inclinando conforme os sucessos da Alemanha
nazi. Muito embora alguns tivessem raízes mais antigas, nalguns casos sob forte
inspiração dos valores tradicionalistas e reacionários da Igreja católica,
todos tinham em comum com o nazi-fascismo o anti-socialismo na economia e a
vontade de domesticar a classe operária. A igreja católica não apadrinhou o
nazismo, que se mostrava “pagão”, preferiu apoiar regimes corporativos
fascistas, isto é, ao modo lusitano e croata, espanhol mais tarde. O que ela odiava
era o “comunismo ateu”.
Salazar dirá em 1940 que ele e Hitler estavam «ligados pela
mesma ideologia».
Os nazi-fascistas não possuíam uma doutrina política coesa e
consistente. Nem eram em toda a parte puramente “tradicionalistas”, exceto
naquilo que lhes convinha (os grandes proprietários rurais) e não se confundiam
com os partidos conservadores, ainda que boa parte destes os apoiassem. Apresentavam-se
como “revolucionários”. O nome “nacional” agradava aos conservadores desejosos
de protecionismo dos seus mercados, o nome “socialista” confundia um pouco,
porém os mais astutos percebiam que era apenas uma “treta”.
Os comunistas caracterizavam certeiramente a nova fase,
superior ou suprema, do capitalismo, como imperialismo e formação e dominação
dos monopólios, decorrendo daí a necessidade e urgência das revoluções
socialistas. Esse estádio gerou, porém, não as revoluções socialistas, mas as
“revoluções” nazi-fascistas, essas sim adequadas ao novo estádio.
As origens de Benito Mussolini
Ideologicamente o fascismo italiano foi a reacção
chauvinista contra o enfraquecimento do Estado considerado socializante e,
obviamente, contra o comunismo “internacional”.
O termo vem do século XIX: fasce, em Milão “feixe democrata cristão”. No início da Primeira Guerra
Mundial surgiram os “feixes de combate” adeptos da intervenção italiana. Em
1917, foi criado o “feixe de defesa nacional”. Mussolini vem do feixe milanês
criado em 1919. Esta organização funde-se com o partido nacionalista. Os
nacionalistas de direita gozam do apoio de importantes intelectuais.
Aglutinaram ingredientes que já circulavam e forjaram uma doutrina: unificar as
massas sob a unidade do Estado. Ter-se-á constituído já em 1914 ideologicamente
por essa altura, ou culturalmente, sob influência de D´Annunzio, Barrès, Sorel,
Ezra Pound e outros intelectuais célebres. Proclamavam a exaltação da nação e a
violência das massas, a recusa do marxismo, ou extraem deste fórmulas que
possam agradar a operários. A restauração da ordem do todo (Nação, Estado) sobre o indivíduo, nada tem de marxista. «Tudo
no Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado», proclamava Mussolini. Onde
é que tal coisa se encontra nos textos de Marx, Engels e Lenine?
Mussolini na juventude recebeu a influência do seu pai o
qual fora socialista e do “sindicalismo revolucionário” de Georges Sorel, e em
1905 dirige um jornal de esquerda. Contudo, todo o seu comportamento, desde
jovem, tinha sido de um tipo arruaceiro, arrivista. Uma personalidade atraída
pela “ação direta”, pela tática da greve geral insurrecional e pelas técnicas
de agitação e oratória populista e demagógica. Extremamente vaidoso como era
gabava-se de ter conhecido V.I. Lenine na Suíça e Afirmou que conhecera Lenine
na Suíça por volta de 1902 mas nada prova que este o tivesse elogiado.[11]
Trabalhou no jornal L´Avvenire del
Lavoratore e foi secretário da União dos Trabalhadores italianos em Lausanne.
Em 1908 foi secretário do partido trabalhista de Trento. Em Milão, em 1910,
editou o jornal semanal Lotta di classe.
Chefiou o jornal socialista (social-democrata) Avanti! Tendo apoiado a intervenção na Guerra foi expulso. O jornal
era financiado pelo governo britânico e infiltrado por agentes deste, para
assim defender o intervencionismo ao lado da Inglaterra. Em 1910 organiza os Fasci di Combatimento, embrião do
Partido fascista, com bandos de rufiões. Serviu-se do socialismo para arregimentar
socialistas. Mussolini foi um traidor, prestou serviços à polícia britânica e
italiana e provocou a desordem social para assim impor a ordem fascista contra
a classe operária. A Itália estava dividida, uma reunificação dificultada pelos
numerosos dialetos, tradições e autonomias regionais, diferentes ritmos de
desenvolvimento que ainda hoje persistem, lenta introdução das relações sociais
de produção capitalistas nos campos. Sob uma intensa propaganda nacionalista o
regime fascista de Mussolini respondia à necessidade do capital de um mercado
interno e, por outro, à conservação de estruturas agrárias latifundiárias e
arcaicas. Serviu essa aliança, apoiando-se nos medos da pequena lavoura pelos
efeitos da modernização e, sobretudo, pela “coletivização” esgrimida pelos
socialistas e anarquistas.
É verdade que não podemos desligar o acontecer histórico do
comando de determinadas personalidades. Mussolini soube organizar e dirigir um
movimento de massas que o alcandorou à chefia absoluta de uma ditadura com
inegável apoio social. Possuía o tal carisma
que Weber previra para as novas lideranças do século capitalista. Fora
contra a guerra e logo mudara de opinião. Alcançara prestígio nos combates. No
termo da guerra o antigo socialista passou a fura greves e agressor de pobres
operários que pediam pão. Com isso ganha a simpatia dos grandes proprietários
que lhe enchem os bolsos de dinheiro. Torna-se um homem riquíssimo, tal como
sucederá com Hitler. Com financiamentos, nacionais e estrangeiros, arregimenta
antigos oficiais e soldados desmobilizados, veste-os com “camisas negras” e
dedica-se a assassinar sindicalistas, comunistas e antigos camaradas
socialistas. Em 1922 a Federazione
industriale, dos patrões, financia a “Marcha sobre Roma”. Foi, portanto, o
homem escolhido pelo capital para manter a taxa de lucro, baixando os salários
e aumentando o tempo e os ritmos de trabalho. O Estado fascista assume essa
missão: diminuição dos impostos e benefícios fiscais para o grande patronato. O
movimento operário havia sido forte, mas não tão forte que propusesse tomar o
poder. Ainda assim era preciso “quebrar a espinha” aos sindicatos. Não foi
outra a finalidade do Estado fascista, na Itália e em toda a parte: tornar mais
ricos os que eram já ricos. Que viria a acontecer na Alemanha? No fundo, a
mesma coisa. Era necessário elevar a taxa de lucro e eliminar consequentemente
os direitos conseguidos na República de Weimar. Surgem os terroristas das SA.
Em 1930 os ricos financiam o partido nazi e tornam Hitler um homem rico e
poderoso. Com grandes meios e o terror nas ruas, os nazis obtêm 37% dos votos,
vindos na sua maioria dos conservadores, da pequena burguesia e dos
desempregados. Não da classe operária que se mantem leal aos comunistas e
social-democratas. Quando nas eleições seguintes os nazis descem
significativamente na votação, o partido comunista alemão propõe aos dirigentes
social-democratas uma coligação contra os nazis. A resposta é “não”. Lembremos
que em 1924 o ministério do interior entregue aos social-democratas na
República de Weimar recorre ao exército, e fecha os olhos convenientemente à
intervenção das hordas paramilitares nazis, para reprimir movimentos grevistas
e manifestações de rua, aprisiona 700 operários e proíbe os jornais do PC. O
que fazem os nazis logo que Hitler é nomeado chanceler? O mesmo que Mussolini e
o mesmo que Salazar mandará fazer em Portugal. As leis sobre o salário mínimo,
as horas extraordinárias, as regulamentações sobre a segurança no trabalho, foram
revogadas imediatamente (os salários baixaram 25% a 40% (50% na Itália).
Privatizaram-se empresas rentáveis. Distraiu-se a populaça com os Jogos Olímpicos
e espetáculos cinematográficos. Para fugir à recessão provocou-se a guerra,
construíram-se estradas modernas para os tanques. A IGFaber, a KRUPP e outras
empresas monopolistas esfregaram as mãos de contentamento. A escravatura que
chegava do Leste era um manancial…
Diferentes as ditaduras na Itália, Alemanha, Portugal,
Hungria, Roménia, etc.? Sim, mas realmente idênticas nas finalidades e nos
meios. Como é que o nazismo, que não possuía de facto uma doutrina mais do que
chauvinismo e racismo, evoluíra da filosofia de Marx? Pura calúnia.
Os socialistas do século XIX defenderam ideias que iam para
além do puro liberalismo, e não a Economia Política do capitalismo. Todos
queriam nos seus programas o socialismo, o fim do capitalismo explorador e a
igualdade social. O que os dividiu foram condições diferenciadas: na Alemanha
de Bismark o partido socialista operário, acreditando que do sufrágio livre e
universal chegava-se ao socialismo, enveredou pelo revisionismo e pela social-democracia.
Logo nos inícios do século condições particulares conduziram à separação dos
partidos operários em social-democratas e comunistas. Mais nacionalistas uns do que os outros, nenhum deles, na realidade,
originou a ideologia nazifascista. O socialismo era um projeto comum, fossem quais
fossem os meios.
Outra confusão que necessita ser esclarecida: o que
distinguia os socialistas do século dezanove dos restauracionistas antiliberais
era que os primeiros queriam o progresso, os segundos o regresso ao Antigo
Regime. A Primeira Guerra Mundial foi muitíssimo mais brutal que a insurreição
bolchevique na Rússia em 1917 (praticamente sem vítimas) e foi uma guerra não
de comunistas mas entre capitalistas que usaram os povos como carne para canhão.
A guerra na Rússia revolucionaria conduzida pelos “Brancos” e pelas potências
estrangeiras ceifou quase todo o proletariado.
O que distinguia os partidos socialistas de todos os outros
era a rejeição da propriedade privada capitalista. Tal coisa nunca foi o
programa dos nazi-fascistas.
As lutas do proletariado no século XIX exprimiram-se de
várias e diferentes formas, com protagonistas diferentes. O marxismo impôs-se
em alguns países contra outras correntes de pensamento: os anarquismos, o Proudhonismo,
o “sindicalismo revolucionário”. Com a formação de partidos socialistas
inspirados no marxismo, o ódio da classe capitalista dirige-se preponderantemente
contra o marxismo.
A Associação Internacional de Trabalhadores (IWMA)
proporcionou serviços bem reais aos trabalhadores, “empenhada numa
mundividência assente na classe e não em princípios raciais ou étnicos. Numa
altura em que muita gente, se não mesmo a maioria, aceitava as diferenças
raciais como demonstradas “cientificamente”, o contra-exemplo da Associação
destaca-se como clara exceção.”[12]
O Partido Social Democrata da Alemanha (SPD), 1878, foi
dirigido pelos marxistas August Bebel e Wilhelm Liebknecht, assassinados pelos
nazis. Como se atrevem a afirmar que o nazismo teve origem no marxismo?
Os anarquistas começaram por aplicar a “ação direta”
(recorrendo a táticas de violência) para mais tarde, depois de repressões sobre
os seus efetivos, optarem pelo “sindicalismo revolucionário”, que acreditava
preparar pela propaganda as massas para a greve geral que arruinaria o
capitalismo. A Confédération Générale du
Travail (CGT) foi fundada por um anarquista.
Nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial, todos os
países de regimes liberais reprimiram violentamente as associações e greves
operárias. A Grã-Bretanha usou menos da repressão direta, porém reforçou
substancialmente as polícias e os espiões.
Os dois governantes efetivos da Alemanha desde 1916,
Generais Hindenburg e Ludendorff, foram importantes apoiantes do nazismo. Que tiveram
de comum com o marxismo?
Se os crimes cometidos por revolucionários no fogo das
guerras civis estão inscritos na matriz ideológica (a tal “ideia comunista”),
segue-se logicamente que os crimes cometidos pelos liberais estão inscritos na
“ideia liberal”; pelos sociais-democratas na “ideia social-democrata”, pelos
cristãos das cruzadas, inquisição e conquistas ultramarinas, na “ideia cristã”,
e assim por diante. O raciocínio perde todas as referências e acaba-se no mais
completo pessimismo para o qual todas as ideias são nefastas. Na realidade as
ideias resultam de condicionalismos históricos nos quais as classes e os seus
conflitos assumem um papel fundador. O cristianismo e o liberalismo
desempenharam um papel progressista nas suas épocas. Revelar as suas origens
subversivas no contexto das épocas é a atitude científica básica e ter em
consideração aquilo que neles ainda permanece de favorável para as lutas de
emancipação dos trabalhadores e de toda a humanidade. Perigosas são aquelas
doutrinas que em nada beneficiam, pelo contrário pretendem justificar a
liquidação física de povos e de
etnias, e proíbem os direitos e liberdades mais elementares.
Capítulo IV- As Revoluções que abalaram o mundo
A Revolução
Soviética
No século XIX a classe operária e a pequena burguesia
encetaram revoltas e revoluções contra a dominação da aristocracia e da grande
burguesia. A história das revoluções liberais e populares em Portugal constitui
um repositório de ensinamentos sobre as divisões conflituantes da burguesia, as
traições dos burgueses ricos (os “novos barões”). Também nós tivemos uma
tentativa, em Setembro de 1936, de uma revolução plebeia e pequeno-burguesa
reprimida ferozmente. Também em Portugal os ideais liberais foram atraiçoados
com manha e vileza.
A Revolução russa de 1917 veio confirmar a tese política
fundamental de Marx e Engels: cabia à classe operária o papel revolucionário
que já coubera à burguesia. A burguesia havia muito tempo que deixara de ser
revolucionária. Esta direção atribuída à classe operária de qualquer país
distingue o marxismo de qualquer “revolução” nazifascista. No quadro das novas
lutas de classes-entre o proletariado e a burguesia- o fascismo nunca poderia
ter surgido do marxismo fosse em qualquer versão revisionista deste. A palavra
“socialismo” no partido de Hitler era um embuste.
Os Sovietes de Deputados dos Operários e Camponeses, na
Rússia, em nada se equiparavam no programa e nos métodos com as organizações
nazifascistas de assalto ao poder. As Teses
de Abril, de V. I. Lenine, apontavam vias e objetivos revolucionários que
em nada foram imitados pelo nazismo na década seguinte à Revolução de Outubro
de 1917. Em que é que a ditadura do proletariado,
objetivo central da Teoria marxiana, se assemelhava ao programa nazifascista?
A definição das etapas e das reivindicações prioritárias (a
Paz, a terra a quem a trabalha, todo o poder aos sovietes) democráticas e
socialistas da revolução, não se assemelhavam em nada com os programas fascista
italiano e, mais tarde, nazista.[13]
Sob a liderança de Lenine
e, depois, de Estaline, acelerou-se a formação rápida de cooperativas e quintas
estatais dando terra a quem a trabalhava, distribuiu-se a maquinaria agrícola
que novas fábricas, geridas pelos trabalhadores, produziam, o que permitiu
aumentar extraordinariamente a produtividade nos campos, colonizar vastas
terras agrícolas, regular a distribuição e regular os preços. Foi resolvido o
problema gravíssimo da fome e criou-se o pleno emprego. Se tal não fosse
realizado, se a industrialização conforme os planos quinquenais não se tivesse
realizado, a União Soviética não estaria preparada para a guerra e seria derrotada
pelos nazis. Imagine-se então as consequências. Todos os governantes do
Ocidente o compreenderam e não foram poucos os que manifestaram a sua surpresa
e os seus elogios. Surpresa maior tiveram-na os nazis…Parece-me que esta
questão é crucial quando se analisa e se debate o papel de Estaline. Foi o
líder de uma revolução profunda das forças e relações de produção e o maior
cabo-de-guerra da época considerando que foi o Exército Vermelho que derrotou a
Alemanha. Foi na batalha de Estalinegrado que o futuro da humanidade se
decidiu. Foi aí que começou, imparável, a derrota da barbárie. É isto que se
esconde aos telespetadores metodicamente. Se não tivesse acontecido esse feito
absolutamente histórico provavelmente a Segunda Frente, a dos Aliados ocidentais,
não se teria aberto (os EU ocupavam-se da sua guerra no Pacífico). Abriu-se até
bastante tarde, à espera da derrocada da União Soviética. O papel de Estaline
foi, bastaria isto para o ser, enormíssimo.[14]
A Revolução
Chinesa
Em 1931 o Japão
invade a Manchúria. A aliança dos comunistas com o general Chiang Kai-shek
começa a claudicar: o general nacionalista combate mais os comunistas que os
japoneses invasores. Em 1937 os exércitos japoneses chegam ao coração da China.
Face ao poderia militar fascista os comunistas organizam-se em guerrilhas. O
Exército Vermelho conquista a Manchúria e, daí, virá um golpe letal sobre os
exércitos inimigos. O Japão fascista rende-se, como se sabe, em 1945. Em Julho
de 1946 Chiang Kai-shek lança contra os comunista uma ofensiva geral, com
armamento norte-americano. A União Soviética comete um erro clamoroso ao
reconhecer o governo, que parecia definitivamente vitorioso, do generalíssimo,
o qual não perde tempo para tirar o devido proveito. É derrotado, porém, pela
brilhante estratégia do cerco das cidades pelos camponeses, cujo mérito cabe a
Mao Zedong. Por conseguinte, as forças comunistas recebem apoio decisivo (sem o
qual não teriam triunfado) das populações dos campos. Para a luta de guerrilhas
Mao inspirou-se nas lendárias rebeliões dos chamados «bandidos sociais»,
classificação que não deve ser descontextualizada das experiências e tradições
populares chinesas que conservavam na memória coletiva as insurreições
camponesas contra os latifundiários e «senhores da guerra». O romance de
Rodrigues dos Santos é uma falsificação grosseira da história chinesa, tal como
o é relativamente à época da coletivização da agricultura na União Soviética.
Mao Tsé-Tung, tal como a esquerda e o povo paupérrimo chinês, tinha apreço e
soube compreender o papel desempenhado pelos “bandidos sociais” que atentavam
no passado contra a propriedade, ou meros vagabundos que deambulavam pelos
campos, desesperados pela fome, marginais excluídos da sociedade, e acreditou
que poderiam ascender à consciência politica e ideológica, através da prática,
essa dimensão que ele tanto enfatizava. Foi isto que sucedeu e não o que o
escritor português anda a injetar na mente dos seus leitores crédulos.
Capítulo V – As Patranhas
Goulags
A burguesia imperialista sempre tentou apagar ou denegrir o
feito histórico da vitória do povo soviético e do seu Exército Vermelho sobre
as hordas nazifascistas; digo fascistas também, porque nos exércitos invasores
colaboraram ativamente centenas de milhar de fascistas voluntários, de vários
países europeus: espanhóis, romenos, ucranianos, franceses, italianos, portugueses;
portanto, a guerra, as atrocidades sobre os povos locais e os comunistas, não
foram apenas dos nazis alemães, mas também dos fascistas do resto da Europa.
Sob sacrifícios inenarráveis, os comunistas e os povos da URSS desempenharam o
papel decisivo para a derrota final dos exércitos nazifascistas.
Como se atrevem a comparar os campos de concentração na
União Soviética (que não se negam, nem se minimizam) com os 27 campos
principais e mais de 1100 campos adjacentes dos nazis, alguns dos quais foi o
Exército Vermelho o primeiro a libertar? Quem foram aqueles que os nazis
começaram por prender nesses campos e para os quais começaram primeiramente a
construir em 1933? Para os comunistas e outros democratas. Nesses anos foram
aprisionados, torturados e na sua maioria eliminados, 200 mil alemães! Os
judeus apenas em 1938 começaram a constituir a maioria dos contingentes. Campos
de escravatura, de trabalho forçado (cerca de 6 mil combatentes e refugiados da
guerra civil de Espanha). Para quem trabalhavam? Para os grandes monopólios
alemães: IGFarben – Bayer, AGFA, BASF e outras empresas, o grande consórcio de
armamento Rheinmetall, que incluía a AEG, ou a Blaupunkt; a Bata; Krupp,
Heinkel, BMW, Volkswagen, etc. A quem beneficiou, portanto, o regime nazi?
Ainda há dúvidas sobre a sua finalidade?
No Outono de 1944 o número de trabalhadores forçados
estrangeiros atingia quase 8 milhões.
Seguiram-se as câmaras de gás e os fornos crematórios. Com o
gazeamento pela chamada “Solução Final” de quase 6 milhões de judeus.
Com a abertura dos arquivos
da polícia após o colapso da URSS vimos um quadro muito diferente daquele que
os “documentários” propagam aos telespetadores. Comparem-se as deportações em
massa, os campos de concentração, os julgamentos políticos, que os governos
demoliberais praticaram desde os alvores do século XIX pelo século XX adiante e
com os monstruosos crimes praticados pelos regimes fascistas e não apenas
durante a Segunda Guerra Mundial, mas no decurso do século passado (Chile,
Argentina, Brasil Guatemala, S. Salvador, República Dominicana, etc.). A
comparação não serve para justificar os meios empregues sob o mando de
Estaline, porém dá-nos uma relação esclarecedora. Estaline “sanguinário” foi
uma construção com fins políticos após o seu desaparecimento. Enquanto vivo foi
objeto de elogios de F. Delano Roosevelt e de Churchill tanto pelas seus
resultados de política económica (a espantosa industrialização rápida num
imenso país atrasado, destruído por invasões militares estrangeiras e por uma
permanente guerra civil, e pela devastadora ocupação alemã) como pela vitória
militar sobre os nazis. Escritores reputados, jornalistas sérios, visitavam
continuadamente a União Soviética e se nem todos elogiavam o que viam, não a
descreveram como agora descrevem os fascistas do presente. Com a abertura dos
arquivos da polícia soviética, pôde-se estimar em 2.022.976 a população total
encerrada em campos de trabalho em Janeiro de 1939, o ano crucial.
Comparativamente nos Estados Unidos em 1995, 1,6 milhão de presos nas cadeias e
3 milhões em liberdade vigiada ou condicionada, sendo dois terços de
afroamericanos. Não se verificou de modo nenhum exterminação sistemática, como
fizeram as tropas nazifascistas (foram centenas de milhar os fuzilados pelas
tropas de Franco após o triunfo destas); a maioria sobreviveu e regressou
(entre os anos 39 e 40, 20 a 40%). Perto de um milhão de prisioneiros foram
libertados nos inícios da invasão nazi e lutou de armas na mão. Mais de metade
de todos os mortos dos goulags para o período de 1934-53 contam-se nos anos da
guerra (1941-1945), em que morreram 22 milhões de cidadãos soviéticos. Nos
goulags em 1953 a taxa de mortalidade baixou para 3 por 1000. Os prisioneiros
por «atividades contra revolucionárias» constituíam 12 a 33% conforme os anos;
a maioria restante eram presos delinquentes do direito comum. O número total de
execuções de 1921 a 1953 foi de 799.455 (delinquentes criminosos, elementos comprovadamente
traidores e espiões nas guerras civis e sob a ocupação alemã, soldados nazis
criminosos).[15]
Genocídio de
classe?
“Guerra contra os
camponeses”? É certo que uma parte não despicienda de camponeses da Ucrânia insurgiu-se
contra as requisições e, em várias alturas, deitou mão à luta de guerrilhas, a
sabotagens de vias férreas (um comboio repleto de funcionários soviéticos foi
aniquilado), linchamentos, à expulsão brutal de governantes e funcionários
soviéticos. Revoltas separatistas na Ucrânia e noutras regiões foram, assim,
acompanhadas por meios de banditismo puro. A repressão foi severa. Tratava-se de
salvaguardar a própria vida, a principal fonte de recursos alimentares, a
sobrevivência da revolução. Nada do que sucedeu, apesar da violência extrema,
foi genocídio, não decorria da “ideia comunista”, nem fora movido pela vontade
de etnocídio que caracterizou o nazismo. A guerra de classes que efetivamente
deflagrou não tem qualquer equivalência com o holocausto dos judeus.
O «holocausto ucraniano»
Uma das peças-chave da propaganda
anticomunista tem sido o que chamam o «holocausto ucraniano», ou «A Grande
Fome» de 1932. O propósito de demonstrar que existiu uma política deliberada de
genocídio, extermínio a sangue frio, do povo ucraniano. A extrema-direita, ao
mesmo tempo que nega o holocausto dos judeus, inventa o holocausto ucraniano! O
chamado Holodomor é um mito inventado
pelos ucranianos nacionalistas e pelos alemães nazis, serve-lhes de “mito
fundacional” para fazer crer que lutaram “pela liberdade” contra os russos
soviéticos; na realidade, colaboraram com os exércitos e as SS nazis no
genocídio dos judeus ucranianos e assassinaram pelas suas próprias mãos
milhares de soldados do Exército Vermelho. Douglas Tottle comprovou isso no seu
livro Fraud, Famine and Fascism
(1988) e até o próprio Robert Conquest deixou de defender a sua antiga versão.[16]
Esta grossa mentira constituiu
parte da estratégia dos nazis de preparação planeada de invasão e destruição da
União Soviética, confundindo, dividindo, promovendo sentimentos nacionalistas e
de simpatia pelos alemães «libertadores». É nas fontes nazis que os
«revisionistas históricos» se baseiam e em testemunhos de agentes
norte-americanos que mentirosamente afirmaram ter verificado in loco a situação. Pese embora a
colaboração ativa dos grupos nazis ucranianos chefiados por Stepan Bandera (o
herói dos atuais nazis), o povo ucraniano resistiu com bravura à ocupação nazi.
As causas reconhecidas da fome que assolou os territórios ucranianos foram o
período de seca muito grave de 1932, a desorganização da agricultura ocasionada
pela coletivização com pouca ordem e demasiada pressa (a formação de
cooperativas pelos camponeses pobres que detestavam os kulaques, revelou-se
muito mais difícil que se julgava) e a resistência feroz dos kulaques. A
colheita de 1933 e uma melhor organização vieram pôr fim à fome e à anarquia. Esta
peça – a chamada “Grande Fome”- da propaganda fascista atual é- preste-se
atenção!- talvez a mais eficaz. É necessário divulgar pelas “redes sociais” a
documentação disponível.
O Relatório
Em 25 de Fevereiro de 1956 Nikita Kruschov lê ao Congresso
do partido comunista da União Soviética, em uma reunião à porta fechada, um
relatório (conhecido por Informe secreto)
intitulado «Sobre o culto da personalidade e suas consequências» no qual acusa
Estaline de uma longa lista de crimes e erros; entre outros: responsável pelo
assassínio de Kirov (dirigente de Leninegrado), repressão ilegal de membros do
partido, deportações de populações inteiras por motivos políticos, impreparação
do Exército Vermelho face à invasão nazi, ignorância das leis da economia,
etc., etc. Estaline, cujo funeral havia sido uma grandiosa e comovente
manifestação de pesar do povo soviético, aparecia subitamente como o vilão de
todas as malfeitorias. Os enormes sucessos dos planos quinquenais, a espantosa
arrancada das infraestruturas industriais que surpreenderam o mundo, a épica
vitória sobre os mais poderosos exércitos do planeta, os elogios que Churchill
e Delano Roosevelt lhe haviam prestado, o auxílio internacionalista oferecido
pela URSS aos republicanos de Espanha, a Constituição da URSS, a mais avançada
de todos os tempos, os direitos conferidos às diversas nacionalidades que
compunham a União Soviética, tudo isto e muito mais era subitamente ignorado.[17]
Pois bem: se as acusações eram em grande parte falsas e
ignominiosas, como a documentação posteriormente conhecida veio demonstrar, que
pretendia Kruschov?
No contexto da Guerra Fria, dos nacionalismos emergentes na
Jugoslávia, China, Albânia, da sublevação popular em Berlim oriental, nas lutas
internas do PCUS entre grupos que porfiavam pela liderança, o Informe teve como finalidade a conquista
do poder eliminando literalmente a fação dos “estalinianos” e, assim, impor um
desvio direitista evidenciado pela
célebre fórmula da «via pacífica».
Os inimigos das revoluções socialistas (pois a União
Soviética era, para todos os efeitos, a «Pátria do Socialismo») esfregaram as
mãos de contentamento: os seus argumentos pareciam encontrar ali a mais
insuspeita sustentação. Ali vinha, gratuitamente e de bandeja, o retrato que
lhes convinha.
O assassínio de Serguei Kirov[18]
foi perpetrado por um subalterno tresloucado, sem motivos políticos; os
julgamentos de 1936-38 («Os Processos de Moscovo») foram conduzidos na
legalidade, conforme a Constituição e as regras do Direito, escrutinados por
numerosos observadores estrangeiros e amplamente divulgados e foram
abundantemente provados os atos conspiratórios de sabotagem e tentativa de
assassinato de Estaline e colaboradores mais próximos; Estaline nunca foi “todo-poderoso”
como se verificou pelas lutas internas frequentes (a corrente direitista nunca se conformou com a
derrota em 1920) e pelas suas comprovadas tentativas de abolir o culto da
personalidade. Podemos duvidar da eficácia destas com sobejas razões; podemos
considerar que as prisões e os julgamentos referidos provocaram um clima de
suspeições, delações e medo (no contexto da eminente invasão nazi, da
espionagem, das ofertas de Hitler de gratificações a todos aqueles que se
sublevassem contra o Estado dirigido por Estaline). Podemos considerar que «Os
Processos de Moscovo» resultaram em fuzilamentos (altos dirigentes do partido e
do Estado) que não se justificavam, mesmo tendo em conta o contexto e a extrema
gravidade das acusações (no entanto, a pena de morte não era usual na época em
quase todos os países liberais?). Podemos considerar que foi, ainda é,
degradante o espetáculo das confissões dos réus.[19]
Ficam interrogações: se os réus condenados haviam dirigido a chamada “Oposição
de esquerda” desde 1920 porque somente em 36-38 foram julgados? Não havia,
afinal, democracia suficiente que lhes permitiu agir nos órgãos centrais do
partido e do Estado? Atendamos a alguns factos, aqui muito resumidos: Estaline
lutou nos finais dos anos trinta para que a Constituição da URSS (1936)[20]
viesse a conter o máximo de aspetos democráticos, contra uma opinião relutante
do CC, que só via perigos nas eleições abertas sem restrições; Em entrevista a
Howard (Março de 1936) defende o voto secreto para os Sovietes, «o sufrágio
será universal, igual, direto e secreto», devem participar diferentes forças
políticas (não existindo partidos, seriam as associações); já no relatório ao
XVII Congresso do Partido (Janeiro de 1934) apontava os vícios nocivos do
burocratismo; Molotov, que nem sempre o apoio; nessa década crucial foram várias
as tentativas de Estaline para separar o Estado, do Partido; defende o voto
secreto para combater o burocratismo( VII Congresso dos Sovietes, 6 de
Fevereiro de 1935); na mesma entrevista Estaline afirma que os ministros devem
possuir os mais elevados conhecimentos técnicos e, portanto, escolhidos por
isso e não pelas carreiras políticas no Partido; o artigo 3º da Constituição de
1937 que viria a ser aprovada exprime claramente a orientação de que o Partido
dirigia «organizações», mas não os órgãos legislativo e executivo do Estado; o
, para os Sovietes que adquiriram plenos direitos de eleger e serem eleitos. O Politburo
do CC opôs-se a propostas firmes de Estaline e Andrei Vyshinski (Fiscal Chefe
da URSS, que criticou os procedimentos do NKVD (Comissariado Popular para
Assuntos Internos), na deportação “errada” de quase 12000 pessoas de
Leninegrado a seguir ao assassinato de Kirov em 1934, e ele mesmo, com apoio de
Estaline, libertou centenas de milhar de antigos kulaques e outros ativos
opositores da coletivização; da leitura
dos documentos consultados até ao seu novo encerramento em 1996, conclui-se que
as principais forças de oposição a Estaline foram dos Primeiros Secretários, os
comités centrais dos partidos comunistas das Republicas e os comités regionais
das cidades; na decisiva reunião do Comité Central de Fevereiro-Março de 1937 que
foi ignorada até 1992, Zhdanov e Molotov (apoiantes de Estaline, sempre em
minoria), exprimiram a necessidade de melhorar profundamente a democracia
interna; aí, os discursos de ambos e o próprio discurso de Estaline ia nesse
sentido, foram ignorados pelos Secretários que apenas se preocupavam com os
«inimigos internos» e a preservação dos seus lugares nos aparelhos estatais;
por fim, a descoberta em Abril, Maio e Junho de 1937 de uma vasta e real
conspiração nos altos comanos das forças armadas e no NKVD, mudou tudo. Os
esforços de Estaline e seus colaboradores mais próximos foram baldados; Molotov
acaba também a votar o cancelamento de eleições abertas; os Primeiros
Secretários, agora com mãos livres, continuaram a sabotar o processo de
democratização e a prender sem provas
(conforme documentos do plenário do CC de Outubro de 1937. A conspiração
assumia formas de uma gravidade extrema (incluía acordos secretos com a
Alemanha de Hitler) e Estaline teve de colocar de lado outras prioridades.[21]
Estaline foi, assim, tão omnipotente desde sempre ou apenas
a partir da chamada “Grande Purga” de 36-38, na véspera da preparação para uma
guerra com a Alemanha que ele tentou evitar a todo o custo? Sendo a substância
das acusações a organização de ações clandestinas com vista a atentados
violentos e ligações a grupos no estrangeiro (Trotsky)[22]
e do estrangeiro (alemães?), qual seria o Estado ocidental que as permitiria no
seu território sem que as punisse com idêntica severidade? Factos foram suprimidos,
decisões completamente descontextualizadas, naquele Relatório construído,
segundo os autores que cito, com mentiras e meias-verdades. Kruschov havia sido
um alto dirigente na Ucrânia, exigira autorização para executar 30000
opositores. Após a morte de Estaline, Khruschev foi o primeiro responsável pelo
fuzilamento de Lavrentii Beria, apresentado à posteridade como um criminoso. A
verdade parece ser outra: Beria substituira em Setembro de 1938 Nicolai Yezhov,
esse, sim, o principal responsável pelas purgas. Que fez Beria? Lançou uma
operação ofensiva contra chefias do NKVD e Primeiros Secretários (muitos destes
acabaram executados) e libertou muitos deportados.[23]
Estaline não foi o tal «monstro sanguinário», porém não pode ficar inocentado.
As chamadas “purgas” e os julgamentos a que fizemos referência, constituíram
terríveis acontecimentos pelos quais se tem pago um tremendo preço. Contudo, é
necessário que os historiadores marxistas e comunistas investiguem tudo e tudo
publiquem. Só a verdade é revolucionária.
Somos levados a pensar que Kruschov forjou, com o célebre Informe
Secreto, aquela narrativa para ascender ao poder com o apoio dos tais Primeiros
Secretários…[24] Seja
como for, nada foi mais útil para a contraofensiva do imperialismo. Todavia, é
necessário que se afirme que, independentemente (ou apesar de) da tal “viragem
direitista” protagonizada pelo grupo golpista de Kruschov, a URRS continuou a
ser o bastião em que se apoiaram as revoluções do Vietnam, Cuba e muitas mais.
A sua derrota nos anos noventa do século passado foi uma tremenda tragédia.
Capítulo VI- A “loucura” do grande capital
Muitos justificam as barbaridades cometidas pelos nazistas
com a «loucura» de um único homem. Adolfo Hitler, e fica por aí a coisa, ou, no
máximo, acrescentam-lhes os colaboradores mais próximos (Himmler), ao mesmo
tempo que procuram separar o nazismo alemão dos restantes regimes fascistas,
apelidados de «conservadores» ou «autoritários» (como alguns designam o
fascismo português ou espanhol). Estas explicações não resistem a qualquer
análise séria. O programa comum desses regimes, da Europa à Ásia, foi a guerra,
o racismo homicida, o expansionismo e o colonialismo, o antidemocratismo e o
anticomunismo.
Durante as décadas de 1920 e 1930 os marxistas e comunistas
enfrentaram-se com uma tarefa urgente face à implantação de regimes fascistas
em diversos países europeus: o que tornou possível tal desgraça?
Deve-se a Trotsky (o mesmo que tão boa ajuda havia de dar às
campanhas contra a União Soviética) uma das primeiras e mais acertadas
caracterizações do fascismo[25]:
o fascismo é a expressão de uma crise estrutural profunda do capitalismo
moderno, isto é, resulta da tendência do capitalismo monopolista, conforme as
análises de Hilferding e Lenine, a «organizar» o conjunto da vida social de uma
maneira totalitária. Em 1936 Otto
Bauer, muito antes da sua viragem à direita, considerou-o como «o produto de
três processos interligados»: o decurso e as consequências da Primeira Guerra
Mundial criando massas de desempregados ou “desclassificados” (formando as
milícias fascistas); as crises económicas do pós-guerra, que empobreceram
empregados (no pequeno comércio, na função pública) e camponeses; os partidos
burgueses tradicionais que ficaram desacreditados; as crises económicas que reduziram
os lucros da classe capitalista, e que, para restaura-los, a burguesia precisou
de romper a resistência da classe trabalhadora, o que parecia difícil ou
impossível sob um regime demoliberal.[26]
Franz Neumann, no seu livro de 1942, Behemoth: the structure and Pratice of Nacional Socialism, escreveu que «em um sistema
monopolista, os lucros não podem ser produzidos e apropriados sem o poder
político totalitário (…) é essa a característica marcante do
nacional-socialismo»[27];
na Alemanha o processo de formação de monopólios por via da concentração e
centralização estava mais avançado que em outros países. As classificações
continuam controversas, contudo conserva-se usual a ênfase na importância
decisiva do Estado (advogada pelos próprios fascistas). Adorno e Horkheimer
realizaram a partir de 1945 estudos sobre os preconceitos, a “personalidade
autoritária” e o antissemitismo. Os regimes fascistas e os seus movimentos de
massas (grande parte do povo alemão colaborou na guerra de agressão) foram
estudados sob vários prismas de análise: económica, política, sociológica,
psicossocial. Nenhum desses estudos clássicos “demonstra” a identidade do
nazismo com o “estalinismo”, embora reconheçam algumas semelhanças na forma,
mas a forma não é a substância. Nenhum conclui que o nazi-fascismo derivou do
marxismo.
Outros salientam a «singularidade» do nazismo, em comparação
com outros regimes fascistas, tendo em conta as especificidades nacionais e
históricas da Alemanha. Pecam por excesso (ou por intenção) levando-nos a uma
separação errada entre nazismo e fascismo. Ditaduras foram impostas nos quatro
cantos do planeta por imitação do nazismo germânico ou o fascismo italiano
colhendo de ambos a mesma substância.
Adler e Otto Bauer
chamaram a atenção para as consequências do desemprego: a SA nazista (tropa de
choque) recrutou, durante os anos de 1930-1932, um exército privado de 300 mil
homens nas fileiras dos desempregados. Este aspeto é deveras importante para
aquela época e para outras, porém não explica ditaduras fascistas (ou fortes
movimentos fascistas que não vingaram) onde um desemprego maciço não existiu.
Uma crise económica aguda pode provocar maior radicalismo da
classe operária e outros estratos de assalariados, como também o fortalecimento
de movimentos fascistas. As crises constituem o fulcro da reacção violenta
extremada do capital. Contudo, convém definir de que crises falamos. No Chile a
crise social foi provocada pelas táticas desestabilizadoras da reacção ao
governo de Allende que, por si mesmo, não surgira de uma crise profunda. A
reacção fascista destina-se a provocar instabilidade e golpes de Estado sempre
que os governos encetem políticas que prejudiquem profundamente os interesses
instalados.
A Entente
Internacional contra a Terceira Internacional comunista, sob a sigla EIA,
que funcionou de 1924 a 1945, ou Anti-Komintern, agência de propaganda contra o
bolchevismo chefiada por Goebbels em 1933, os Fasci di Combattimento constituídos em 1924 na Itália, construíram
a maior parte das calúnias que ainda hoje se utilizam contra os comunistas. Na
Guerra Civil de Espanha, o carniceiro Franco e seus acólitos clericais apoiaram-se
nessa Entente para espalhar calúnias
de que os bolcheviques predicavam o “amor livre mais desavergonhado”, a
“dissolução da família”, a irradicação violenta da religião e da Santa Madre Igreja,
e por aí adiante. Propaganda atraente para a burguesia conservadora.
Não há dúvida que, muito embora evitando a absolutização de
“leis”, o colapso das economias liberais no final da década de 1920 com o seu
cortejo tremendo de consequências sociais contribuiu decisivamente para o
fortalecimento do nazi-fascismo. Não se esqueça, porém, que na Itália e
Portugal, regimes fascistas eclodiram anteriormente a esse colapso; nestes e
noutros países (o nazismo já emerge na República de Veimar) as sequelas da
Primeira Guerra Mundial foram causas importantes, conjugadas, evidentemente, com
as especificidades de cada país. Ou seja, pretendo enfatizar o seguinte: os
regimes capitalistas ditatoriais, terroristas, constituem soluções a que o
grande capital, associado em muitos casos aos grandes proprietários rurais,
recorre sempre que pode quando é necessário desenvolver rapidamente, e proteger,
a acumulação na via da centralização e concentração monopolista, reprimindo-se,
para o efeito, a classe operária, os seus partidos políticos e sindicatos, os
direitos e liberdades conquistadas. Em alguns casos é o capital estrangeiro que,
servindo-se de homens-de-mão e de mercenários, golpeiam governos burgueses
legitimados por eleições livres que desejam implementar a independência
nacional, ou seja, anti-imperialista.
Esta opinião parece-me mais congruente com o marxismo e com
a realidade factual histórica, aplicável a todos os casos particulares do mundo
a partir da formação do capital monopolista agressivo. Corresponde à tese
central que Lenine expôs no seu livro fundamental “O Imperialismo, Estádio
Superior do capitalismo» (1916) e que nos alertou não só para a situação
daquele período em que ele o redigiu, mas também para a posteridade. Devemos
somar o seguinte (de resto, encontra-se explícito nas teses avançadas por
Lenine nos seus textos): nas ofensivas do capital monopolista (corporações,
grande trusts e transnacionais) inclui-se o colonialismo e o neocolonialismo;
esta tese é leninista e dá corpo à classificação completa do imperialismo. Não
se pode compreender o século vinte e este primeiro terço do século vinte e um,
sem recorrermos a essas categorias: Monopólios, imperialismo agressivo,
colonialismo. A exploração dos trabalhadores por todas as formas possíveis é a
finalidade do Capital. As ditaduras políticas não são uma “solução de exceção”,
como se o regime demoliberal fosse da natureza e da essência do capitalismo,
como se este fosse o “normal”. Não podemos analisar as ditaduras tendo como
única referência a “normalidade” democrática da Grã-Bretanha e dos Estados
Unidos. De resto, nos EU a repressão contra os sindicatos operários foi
violentíssima. Não recorreram à “exceção” (até ver!) porque possuem
instituições estabilizadoras e soluções de escape para o exterior. O
liberalismo transportou sempre soluções brutalmente repressivas desde a contrarrevolução
na França de 1796. E os progressos dos governos demoliberais deveram-se, tanto
no século vinte como no século dezanove, a importantes lutas dos movimentos
democráticos populares.
As soluções nazi-fascistas surgiram no século vinte por via
de uma malha de causalidades gerais e específicas, no quadro mundial do imperialismo
contemporâneo; puderam surgir em períodos posteriores e contextos diferentes, e
podem ressurgir em contextos novos do capitalismo contemporâneo. Não se pode
desligar o capitalismo liberal oitocentista das barbaridades cometidas nos
impérios coloniais. O chamado “período d´oiro” do capitalismo no pós-guerra,
não se julgue que foi devido às virtudes natas das democracias burguesas. Para
isso, aplicaram-se em todos os quatro cantos do planeta barbaridades para
esmagar ou tentar esmagar os movimentos independentistas e os partidos
comunistas. A Grécia pelos liberais britânicos no pós-guerra, a Argélia pelos
liberais franceses, o Congo ex-belga, o Vietnam pelos liberais norte-americanos.
As democracias burguesas (sobretudo a partir do século
vinte) não são a mesma coisa das ditaduras nazi-fascistas (tirando a base
comum: todas são ditadura da burguesia), certamente, e é necessário distinguir
para compreender os fenómenos (os nazi-fascistas reprimiram também sectores
políticos e económicos burgueses liberais) e daí estabelecer alianças. Por
vezes, ou quase sempre, burgueses liberais apoiaram os golpes militares e
fascistas, quer se tivessem depois afastado deles, quer não. Dizer que não são
a mesma coisa, não é escamotear, como sempre fazem os liberais burgueses, as
“soluções” militaristas e antidemocráticas a que deitam mão. A democracia
“exemplar” dos EUA é responsável pelas guerras deste período perigoso que
atravessamos. Um operário branco do Alabama ou um corretor de Wall Street dirão
com orgulho que vivem numa plena democracia política; um operário do Iraque, do
Afeganistão, Síria, não diz o mesmo das democracias ocidentais. Os fascistas
não vêm do inferno, vêm dos conservadores. Não são regimes de poder da pequena
burguesia, mas do grande capital.
Capítulo VII- As “classes médias”
Emprega-se o termo
quando se fala no Antigo Regime, e correspondia à classe burguesa. No livro Teorias da mais-valia Marx emprega já a
expressão no sentido de “pequena burguesia”, entre a classe burguesa e o
proletariado. Convém distinguir as “velhas classes médias” (pequenos
produtores, artesãos, agricultores e camponeses) da “nova classe média”, de que
Marx já anunciara o seu crescimento: funcionários do Estado, trabalhadores de
escritórios e dos serviços, chefes em empresas, técnicos, professores, outros
intelectuais. O caudal dos partidos reformistas e social-democratas foi sendo
constituído por essas massas urbanas principalmente, que se inclinam
normalmente mais para a social-democracia (o chamado “centrão”) do que para a
revolução socialista. Nem sempre se deixam simplesmente manipular (por exemplo
por um partido dito “socialista” que “meteu o socialismo na gaveta”), acreditam
realmente que os seus interesses imediatos se acham melhor defendidos com a
social-democracia enquanto esta os beneficiar. Dividida em camadas
diferenciadas que se contrariam, politicamente pendem facilmente algumas delas
para a Direita. Os pequenos lojistas não se comportam do mesmo modo que a camada
social dos técnicos e intelectuais, os camponeses pobres não se identificam com
camponeses ricos, distinguindo-se todos eles se empregam ou não trabalhadores,
se se dedicam ao comércio ou à indústria, pelo nível de salários e rendimentos,
de fornecerem ou não serviços para as grandes empresas. Em suma: consoante o papel
que desempenham na produção e na realização do capital, a sua quota-parte de absorção
da mais-valia distribuída. A distinção entre trabalhador produtivo e
improdutivo é correta, mas insuficiente. A proletarização ameaça-os
permanentemente; este facto inelutável explica em boa parte as suas atitudes
ideológicas e políticas. Verifica-se uma permanente aspiração a um status social de “classe média”. Em
alguns casos o status é real, mercê de
um nível de consumo que os distingue do operariado mais pobre, e de algum grau
de poder na divisão social do trabalho. Sendo tão diferentes e flutuantes, não
são presas de um único destino, por isso os diversos partidos esforçam-se por conquistar
a adesão dessas camadas. Os movimentos fascistas, como vimos, constituíram-se
sobretudo por desempregados e militares desmobilizados e camponeses ao serviço
dos grandes agrários, assim como é inegável a simpatia manifestada por pequenos
lojistas nomeadamente na Itália e Alemanha.
Reafirme-se no entanto que a pequena burguesia liderou
revoluções no século da implantação dos regimes burgueses liberais.
Representaram as aspirações à República e Democracia, como tão bem o expressou
o nosso Henriques Nogueira. Foi assim na Europa na primeira metade do século
XIX e foi assim na América latina nas suas batalhas pela independência. O longo
processo de implantação do liberalismo da grande burguesia processou-se contra
a vontade da pequena burguesia. Foram as derrotas desta e as debilidades do seu
programa que fizeram emergir o projeto e o protagonismo da classe operária. A
teoria de Marx-Engels surgiu do ocaso da liderança da pequena burguesia. É esta
transição e substituição de atores no papel de protagonistas que explica em boa
parte os grandes movimentos da história contemporânea e as origens de novas
ideologias políticas. O radicalismo republicano e democrático foi a ideologia
da pequena e alguma média burguesia, opositora do absolutismo do grande capital.
O marxismo foi a expressão da vontade do proletariado industrial, foi nele que
conquistou a sua base social de apoio. Os partidos reformistas e os teóricos
revisionistas concluíram que a classe operária vinha aburguesando-se,
juntando-se à crescente “classe média”; por conseguinte, não havia mais espaço
para revoluções.
Na realidade nada é absoluto e definitivo. Camadas
intermédias podem opor-se à prática neoliberal dos partidos social-democratas,
cujo descrédito, hoje, é, aliás, manifesto. Classificar a pequena e média burguesia
de “social-fascista”, como o fizeram anarquistas e não poucos marxistas do
século passado, foi um erro desastroso, porque dificultou-se a formação de
alianças sociais antifascistas e provocou-se o isolamento dos partidos
operários. Camadas sociais diferentes reagem de modos diferentes. Na oposição
ao grande capital, neoliberal ou fascista, todos os democratas contam. Os
regimes antidemocráticos que lhes negam qualquer participação política e
benefícios sociais não são obviamente do seu interesse.
Capítulo VIII- Portugal
O anarco-sindicalismo foi a ideologia dominante no
operariado português no decurso da Primeira República. O Partido Socialista
teve escassa influência no movimento sindical. A Confederação Geral do Trabalho
(CGT), fundada em 1919, com o seu jornal «A Batalha”, agrupava os sindicatos.
Entretanto, os sucessos da Revolução de Outubro começaram a difundir-se. Em
cisão com o anarquismo inconsequente, funda-se a Federação Maximalista Portuguesa
(FMP), com o seu jornal «Bandeira Vermelha», da qual saíram os primeiros
comunistas que fundaram o PCP em 1921. No «Bandeira Vermelha» era cada vez mais
notório, pela pena dos seus colaboradores, o apoio entusiástico à Revolução
soviética, nomeadamente aos sovietes, e expressava-se com clareza a necessidade
de um «partido novo». Em 1920 o anarquismo já não correspondia às necessidades
do movimento operário, sobretudo após a greve geral frustrada (e reprimida) de
1918.
No período entre as duas guerras mundiais Portugal sofreu
uma crise económico financeira, sobretudo em consequência da participação na
Primeira Guerra, que viria a ser fatal para a República. Desde o seu início em
1910 até à sua queda a República democrática não foi deixada em paz pelos reacionários
monárquicos. O «Integralismo lusitano» nutriu publicas simpatias pela Action Française (monárquica) próxima do fascismo. A «Alma Portuguesa», de
Rolão Preto, advogava o fascismo sem disfarce. Tradicionalistas, conservadores,
católicos militantes reacionários, fascistas, todos se irmanavam na vontade de
instalar um «Estado Novo», isto é, uma ditadura. O nacionalismo com tintas de
algum racismo instalava-se na ordem do dia das discussões e das conspirações.
Franjas das chamadas «classes médias» manifestam desagrado com a movimentação
operária e a perda do seu status
social. A ditadura populista de Sidónio Pais fora bem recebida e o assassinato
do líder transformou-o em mártir. O ambiente mostrava-se profundamente
reacionário. A «Cruzada Nun´Álvares» galvanizava os chauvinistas. O grupo da
«Seara Nova» parecia impotente a pregar aos peixes. A nível das ideias
filosóficas e políticas a corrente positivista, que havia guiado os mentores e
fundadores da República nos ideais de progresso, cedia o passo à marcha
inexorável do irracionalismo, abertamente naqueles muitos que pregavam o regresso
à «terra mãe» e outras pieguices, e noutros que o tingiam de «espiritualismo»,
«vitalismo», «intuicionismo», de que Henri Bergson fora o papa. O racionalismo
de António Sérgio, porventura a figura mais notável da primeira metade do
século, não encontrou eco senão num pequeno círculo. O país não fora penetrado
pelo Iluminismo na altura devida e a modernidade ficara sempre circunscrita a
círculos pequenos e breves de intelectuais que acabaram por desistir. A
vertente “cienticista” das filosofias positivistas não encontrara húmus num país
de camponeses e latifundiários, tolhido por uma grande burguesia acomodada ao
monopólio. A literatura política ou filosófica daqueles anos estava pejada de
críticas ao “materialismo”, tanto no sentido filosófico (materialismo versus idealismo) como com o significado
de “burguês usurário”, do “senhor Milhões”, fraseologias que agradavam
sobremaneira à ideologia fascista e clerical. As críticas ao pensamento
tecnocientífico, usuais nos filósofos europeus, reflexo do nosso atraso
secular, viriam a ter um dramático desfecho nas políticas do “Estado Novo”. A
hegemonia do catolicismo no povo e nos intelectuais era tão pesada que o
potencial crítico de brilhantes poetas, pintores e uns tantos filósofos não
conseguiram produzir um pensamento verdadeiramente alternativo e emancipador. O
«deísmo» dos maçónicos (cujas lojas com os seus “carbonários” foram decisivas
na implantação da república, mas também na formação de clientelas políticas)
não fabricara “iluminismos” de relevo algum. A consciência social deixava-se navegar
no mar sem tormentas de um saudosismo vago e ligeiro, «saudades do futuro», com
um Dom Sebastião a romper da neblina, ou um messias a levitar radioso sobre a
terra de Nun´Álvares. “Um Novo Império! Um Chefe!”, declamavam os espíritos
graves. O pró-fascista Fernando Pessoa[28],
pese embora o seu génio, resume bem a crise da consciência pequeno-burguesa,
sufocada num país onde o suicídio e a cirrose parecia ser o destino dos seus
filhos maiores. Para enlevo escapista da populaça o messianismo começava por
ganhar forma no “milagre de Fátima”, operação estratégica que viria a
converter-se num fenómeno opiáceo avassalador. A Igreja, que nunca sofreu as
violentas perseguições de que se disse pobre vítima da República, bem pelo
contrário, aninhou no seu maternal seio tudo que era antiliberal. Vingar-se-ia
pela derrocada do seu Antigo Regime bem-amado. A não ser possível ressuscitar
um Rei, que emergisse, então, um Duce
à portuguesa, promessa de bem-aventuranças em um corporativismo disfarçado de Doutrina Social. Laboratório de
conspirações antidemocráticas, a Igreja parturejava ideólogos no Centro
Católico, encarando com desagrado os “messias” desejados pelos poetas. Pôde,
enfim, oferecer um, aparamentado de “mago das finanças”, sóbrio, sombrio e
sinistro. Era o que o país ansiava há muito: duas oliveiras, uma no calcário de
Fátima, outra entronizada ad aeternum
no governo.[29]
Minada pelo
manobrismo politiqueiro, pelas hordas de conservadores que, embora
conflituantes, desejavam o mesmo: uma ditadura, a República baqueou sem
estrondo e sem mágoa sob a espada de uma casta militar profundamente inculta
que se encantou com os esquemas financeiros habilidosos de um obscuro
catedrático de Coimbra. Fernando Pessoa, que se manifestou muito cedo, desde o
movimento «futurista», vulnerável a possíveis aventuras de «salvadores» com
carisma, chamou-lhe «contabilista» com desprezo. Na verdade, de maneira geral,
intelectuais talentosos que se haviam esforçado por arrancar o país ao mais
grosseiro provincianismo, colaboraram na «atmosfera» que preparou uma ditadura
que começou por ser «financeira» e provisória, para vir, porém, a perdurar cinquenta
miseráveis anos. Não foi apenas o simbolismo dos «camisas verdes» e das
bandeiras que forneceram os traços fascistas do novo regime. Foi a polícia
política, a abolição do sindicalismo livre, a eliminação coerciva de todos os
partidos políticos, o encarceramento e tortura de milhares de operários, a
expulsão de mestres e funcionários públicos por mero delito de opinião. A
ditadura militar não se instalou porque existisse uma ameaça comunista, nem
sequer uma manifesta «desordem» nas ruas e centros fabris que a «justificasse»
(embora se tivesse criado esse mito conveniente). Com a ditadura dos Cabrais no
século dezanove, que impôs a estabilidade burguesa, até ao 25 de Abril de 1974,
Portugal somente conheceu um curto intervalo na dominação absoluta da grande
burguesia monopolista, a Primeira República. Nesse breve período assistiu-se
uma intensa luta de classes e de setores da classe dominante sem que a classe
operária interviesse autonomamente com relevo. A ditadura militar não venceu os
liberais pela força, venceu-os pelo cansaço. A intelectualidade republicana não
ergueu barricadas nas ruas como o fizera nas revoluções do século anterior na
Europa e em 1910 em Portugal. Estava tolhida pelo spleen. Somente em 1937 é que as coisas aqueceram. Mas então já não
eram os liberais que ergueram a bandeira das lutas pela democracia (ou foram
poucos). Foram os operários e marinheiros. Camaradas daquelas centenas de
milhar que iriam dar a vida pela república espanhola. Foram derrotados. Contudo,
o marxismo, o projeto comunista que demorara a chegar, forneceu às classes
trabalhadoras, finalmente, a consciência do seu poder. A ditadura veio para
ficar com o apoio do grande capital e dos proprietários rurais, tudo com a
bênção da Igreja católica revanchista e monárquica.[30]
Foi sobretudo esta que passou a controlar as Humanidades nos estabelecimentos
de ensino, mormente nas áreas da Filosofia, História e Direito, sem esquecermos
que era já na escola primária que se procedia à meticulosa «lavagem do
cérebro».[31] No dia
libertador de 25 de Abril de 1974 a Faculdade de Letras do Porto continuava
dirigida por uma clique de fascistas, os restantes punham-se a jeito. Assim era
a Norte, com a Faculdade de Filosofia de Braga (jesuítica) a «filtrar»
convenientemente toda a grande filosofia
francesa que progredia na Europa civilizada… Nenhum pensamento original e
inovador brotou daquelas mentes serôdias, fossem elas neoescolásticas ou meros
ruminantes de uma putativa “Filosofia Portuguesa”.[32]
Considerações conclusivas
1.
A democracia real (política, económica e social)
é antitética do capitalismo. O
capitalismo oitocentista não se instalou por processos democráticos universais.
O alargamento do sufrágio, lento e sempre dificultado, é prova disso. A exclusão
dos operários, dos pobres, das mulheres. Dos negros na América. A sua
inexistência nos impérios coloniais. Os chamados “regimes de exceção”,
nazi-fascistas, não foram realmente outra coisa que a exacerbação desta
“normalidade” composta de contrarrevoluções, de golpes e contra golpes, de
governos autoritários, de alianças entre aristocracias monarquistas e
burguesias “liberais”. O capitalismo é mutante.
E tão camaleónico quanto convém.
De facto, as ditaduras fascistas
correspondem à fase monopolista-imperialista do grande capital. Os regimes
fascistas não alteraram as relações de produção capitalistas, pelo contrário alargaram-nas
e reforçaram-nas.
A relação jurídica fundamental no
capitalismo é a que legaliza e legitima a apropriação privada dos meios de
produção, da produção e dos lucros. É o conteúdo da fórmula da «livre
iniciativa». O capitalista não é proprietário do trabalhador, como no Antigo
Regime, compra a força de trabalho. O tipo de contrato, a amplitude dos
direitos do trabalhador, depende do regime político burguês, depende da
corelação de forças entre as classes dominantes e as dominadas. Sob uma
ditadura fascista os direitos do trabalhador são nulos. Foi essa a sua
finalidade. E será sempre.
2.
O conceito de Estado – “O Problema do Poder”- é um dos conceitos mais fundamentais
da Teoria marxista. Marx tratou o conceito em diversas obras: Desde logo, em
1843, na Crítica da filosofia do direito de Hegel; em 1850, As lutas de classe na França de 1848 a 1850;
em 1852, O Dezoito de Brumário de Luís
Bonaparte; em 1871, A guerra civil na
França. Engels, pelo seu lado, no Anti-Dühring
(1878) e na Origem da família, da
propriedade privada e do Estado (1884).[33]
Lenine desenvolverá o conceito em O
Estado e a Revolução.[34]
Não devemos extrair desses célebres escritos a definição do Estado como algo
secundário, derivado, meramente “superestrutural”, desprovido de uma papel
relativamente autónomo e interventivo sobre as outras esferas da vida social. O
“Estado de Direito” foi um progresso na época (em boa parte resultante de
revoluções e outras lutas), contudo é uma construção, no fundamental, conforme
os interesses da classe dominante. Ele não garante jamais emancipação alguma dos
trabalhadores; bem pelo contrário, garante a reprodução do capital. Os indivíduos
(ou um só político carismático), as competições entre eles (ou os seus
partidos), as pressões (os lobbies), a corrupção e o suborno, as divergências
ideológicas, a força militar, o peso da burocracia, tudo isso desempenha mais
ou menos papéis relevantes. Para administrar os interesses divergentes da(s)
burguesia(s), embora, no essencial, comuns, é necessário que o Estado (as
múltiplas instituições de poder que ele enforma) seja relativamente independente. A forma do Poder com o qual a classe
dominante regula os seus interesses comuns, fundamentalmente a defesa da
apropriação privada, não deixa de ser, por isso, do interesse imediato da
classe operária; não é de modo nenhum despiciendo que seja democracia burguesa
ou ditadura fascista. É importante considerar que no primeiro caso é possível à
burguesia conquistar um consentimento alargado que lhe permite diminuir o
exercício da coerção declarada (e os custos). Este consentimento e o caráter
legitimador de eleições livres (relativamente) conferem ao Estado dos
capitalistas a durabilidade que se lhes reconhece. A importância decisiva das
crises do modo de produção capitalistas reside nos modos políticos a que os
capitalistas recorrem para tentar resolvê-la. As ditaduras e as guerras
constituem as respostas conhecidas e sempre repetíveis. O imperialismo é a
destruição, a espoliação mundial, o parasitismo e a guerra. Insisto: não são
exclusivamente as crises cíclicas do capitalismo que produzem guerras; o
capitalismo foi, e é, a guerra permanentemente desde a formação “primitiva” do
capital (contra os camponeses dos seus países), a espoliação (não existe
esbulho sem violência), o saque (pelas conquistas desde os começos da
Modernidade, ou “civilização burguesa”), o racismo (a escravatura).
3.
Distingo Estado, de Regime. O Estado capitalista é sempre a dominação pelo Capital; o
Regime pode variar. O Regime de ditadura política é uma das formas – exacerbada
e terrorista- dessa dominação. Neste regime impera o populismo do Chefe que a todos
subordina, o poder absoluto do seu partido ou movimento político-social que o
apoia, a intervenção coerciva dos militares e das polícias na vida púbica e
privada, a abrasiva propaganda sem contraditório. Repõe, pela força brutal, a “estabilidade
social” nas situações de crise. Os fatores que desencadeiam esta solução já os
apontámos: fundamentalmente a lei tendencial da queda da taxa média de lucro;[35]
a força contestatária dos trabalhadores contra as soluções “austeritárias” para
a aumentar; a defesa dos interesses ameaçados do capital imperialista como
sucedeu claramente no Chile de Pinochet; a competição entre potências e a
vontade de expansão territorial. Não existiu nenhum caso conhecido em que os
militares (subordinados a um chefe civil em alguns casos) não constituíssem o
“aparelho” decisivo. Quando este não está desde logo garantido (verificou-se no
decurso da ascensão do partido nazi na Alemanha), provoca-se a instabilidade,
provoca-se o governo legítimo, arregimentam-se classes e camadas descontentes
que pressionam ou “justificam” a intervenção militar.
Para tentar ultrapassar uma crise
económico-financeira grave o grande capital pode recorrer a métodos diversos.
Nos EU, nos anos trinta, o New Deal
inspirado no intervencionismo estatal de Mussolini, segundo alguns afirmam, ou
nos planos quinquenais da União Soviética, segundo outros. O fascismo
corporativo na Itália, em Portugal e, em menor medida, na Espanha franquista.
Quando um governo de esquerda nacionaliza empresas estrangeiras recorre-se ao
golpe militar, como no Irão, no Chile, etc.
Subestimar as diferenças entre uma forma
demoliberal de intervenção económico-política (conservando-se as liberdades
fundamentais e obtendo-se consentimento) e uma forma nazi-fascista é um
radicalismo míope que não beneficia ninguém. Pretender que existe uma diferença
de substância entre a primeira forma
(ou Regime) e a segunda, equivale a julgar que os rios de água doce e os
oceanos de água salgada não são compostos da mesma coisa.
Os povos e trabalhadores do mundo inteiro
não desprezam as liberdades, ainda que a miude sejam mais formais que reais sob
a dominação burguesa. Há uma enorme diferença entre lutar contra o capitalismo
na clandestinidade mais sofrida e rigorosa e lutar na liberdade possível. Entretanto,
a revolução tanto pode romper dos escombros de uma ditadura fascista, como da
decomposição da democracia burguesa. É comum dizer-se que o fascismo é o poder
absoluto do aparelho executivo, a subordinação dos parlamentos ou o seu
desaparecimento. Com base nesta asserção, que não deixa de ser verdadeira, conclui-se
que a democracia (parlamentar) é o melhor dos regimes, o estádio final a que
chegaram as experiências políticas da História. Ora, desde Jean-Rousseau que
localizamos na democracia representativa um alvo da crítica socialista. As
doutrinas políticas que há séculos almejam e propõem modelos de democracia direta (outras formas de
participação efetiva das massas populares) significam ditaduras fascistas? De
modo nenhum. Conciliar os dois modelos – representativo e participativo- é o
mais estimulante desafio dos socialismos de todos os tempos. Um parlamento
(Congresso, Câmaras, etc.) pode mostrar-se tão ditatorial, ou mais, que um só
presidente. Depende das maiorias absolutas e de como foram eleitas.
O Estado possui uma genealogia que se liga
aos modos de produção societais. Não os transcende por maior que seja a sua
autonomia relativa. É mutante, porque mutantes foram os modos de produção. A
sua função primordial é protegê-lo(s) dos inimigos internos e externos adentro
de um determinado (alterável) espaço territorial, regulando os processos de
produção-reprodução através de meios políticos destinados a coagir seja por
coerção, seja pelo consentimento, aos quais se juntam instituições paralelas
(as religiões e outros modelos culturais). O Estado não se reduz ao conjunto
das três tradicionais instituições (legislativa, executiva, judicial); nos
diversos modos de produção é também militar (monopólio da força) e cultural-ideológica.
No Estado contemporâneo, conduzido pelo neoliberalismo, ocupa mesmo aquele
“espaço privado” de que o liberalismo se orgulhava de preservar. Expressão
impositiva e reguladora do Mercado, o Estado protege a captura por meio da
mercantilização a totalidade do espaço público e do tempo privado dos cidadãos.
Praticamente nada sobra que seja ainda “privado” ou independente. Utilizando
embora uma expressão discutível, o Estado neoliberal que representa os
interesses da finança e das multinacionais que dominam o Mercado, é hoje
“totalitário”. Já não está encerrado nas fronteiras fechadas de um país ou “império”,
liga-se à rede de coligações inter-imperialistas, às malhas mundiais da produção
e circulação da mercadoria e do capital. É neste quadro de mercantilização total com
consentimento que o neofascismo
se apresenta.[36] O
neofascismo prospera e só é invisível para quem o consente. Contudo, repita-se,
este neofascismo utiliza outros métodos para impor o seu mercado mundial: as
intervenções militares e, nas regiões cujos recursos naturais interessam às
grandes potências, “senhores da guerra” que a fazem por elas. A caraterização leninista
do imperialismo aponta, em minha opinião, para a pulsão fascizante do capitalismo contemporâneo. O imperialismo é a
época das revoluções socialistas e das contrarrevoluções fascistas ou
neo-fascistas.
4.
O capital, pela sua necessidade imanente ao
processo de realização e acumulação, produz a criação pela destruição do
capital investido e materializado (bens de equipamento e meios de produção,
edifícios, etc.). Realiza essa atividade autodestrutiva seja no seu próprio
país, seja em outros. Esta natureza destrutiva (de mercadorias, de recursos, do
Ambiente, de cidades inteiras) constitui um dos polos da realização do capital.
5.
A eliminação das relações de produção capitalistas
(começando pela eliminação da predominância da apropriação privada nas fábricas
e nos campos) na medida em que foi finalidade fundamental da construção do
socialismo na Rússia soviética, estava inscrita no projeto de Marx-Engels e do continuador
V. I. Lenine. É esse o alvo principal que os detratores do marxismo atacam,
nomeadamente os “revisionistas históricos”. Ao contrário em absoluto do que
estes afirmam, os fascismos não nasceram neste berço. A crítica liberal aos
métodos empregues na reforma agrária na Rússia soviética (a dita “brutalidade
da coletivização”) e em todos os países onde ela se realizou, não é realmente
contra os métodos, mas contra os fins.
Qualquer forma de “coletivização” é inaceitável para os liberais. Quando necessário
e possível recorrem ao fascismo para impedi-la. Pesem embora os métodos o que
salvou o socialismo e a própria independência da Rússia foi precisamente a
reforma agrária.
6.
A esquerda comunista não deve contornar o problema
da democracia restringida nos países que já foram Estados socialistas, ou que
se revindicam do socialismo com partidos comunistas no governo. É verdade que
as liberdades políticas básicas (direito à livre informação e expressão do
pensamento, à reunião e organização política) são cerceadas (“justificadas”
pelo cerco a que as potências capitalistas exercem continuamente) e tal é
inaceitável, até pelas consequências negativas sobre a participação dos
trabalhadores, a produtividade, etc. Convém dizer, no entanto, que as
liberdades políticas não compõem todo o conteúdo concreto da liberdade: ter um
trabalho seguro e não ficar no desemprego, de beneficiar de serviços públicos
gratuitos de saúde, escolaridade e cultura, sem qualquer descriminação, equidade
na mobilidade social conforme o valor do seu trabalho, igualdade plena da
mulher, velhice protegida. Nada disto é garantido na esmagadora maioria dos
países capitalistas, estando inclusivamente em perigo nos países europeus mais
civilizados. Convém também lembrar que esta liberdade que para o cidadão comum
é do seu interesse principal, alcançou-se em países que, antes, se encontravam
arruinados pela guerra civil e mundial ou sofriam ditaduras cruéis. Falamos da
URSS, China e Coreia, Vietnam e Cuba. A verdade é que os Estados socialistas têm
de saber conciliar as mais extensas liberdades com a máxima resistência aos
inimigos internos e externos. Esse é o desafio. Contudo, a mentira tem de ser
sempre combatida. Transigir com ela é permitir que o mundo seja pior ainda do
que já o é. Os inimigos da democracia e do socialismo fabricaram uma visão
diabólica da União Soviética e de Estaline. Como foi possível a uma classe
operária, devastada pelas guerras civis, querer e conseguir alcançar tamanhos
níveis de produtividade muito antes e durante a Guerra de agressão, se ela
vivia, como se diz, sob um clima permanente de terror, de coerção policial?
Existe, acaso, algum tratado de economia ou de psicologia social capaz de
demonstrar que é assim que se aumenta a produtividade durante um longo período
de tempo?[37] Foi com
terror que se eliminou o analfabetismo, se aumentou exponencialmente o número
dos técnicos superiores, se disponibilizaram serviços públicos de saúde e de
educação gratuitos, se reergueu um imenso país das ruínas da guerra? Como é
possível acreditar-se em patranhas de todo o tamanho?[38]
É necessário que haja não só uma profunda ignorância, mas vontade de acreditar.
Se o indivíduo tiver vontade de acreditar em milagres ou na existência do
demónio, ele vê-los-á. Com a ajuda dos impostores.
7.
Considero que existe uma correspondência entre a
propagação de filosofias e ideologias irracionalistas e “estados de alma”
propensos a aceitar regimes fascistas. No período entre as duas Guerras
Mundiais verificou-se essa correspondência. Os irracionalismos apelam a
sentimentos, mitos e tradições, fórmulas construídas sobre ficções.
Hipervaloriza-se as emoções, despreza-se a razão. Executa-se uma operação de
erosão sobre a teoria e os teóricos, a racionalidade científica e as éticas
racionais. Despromove-se o Esclarecimento e a Modernidade. Apela-se a forças
irracionais e faz-se crer que é sobre elas que se movem os eixos da História. É
a Natureza que passa a conduzir a
História, o destino de um Povo. Filósofos
dedicaram-se a descobrir nas “forças vitais” inscritas num passado mítico a superior
Verdade revelada pela intuição. Desenhado o quadro negro da decadência (da
inoperância do liberalismo e da democracia) era urgente a “regeneração”: um
Povo, um Chefe, uma Nação. Aqueles liberais que colaboraram ativamente nas
críticas (irracionalistas) da Razão, viram-se sem querer envolvidos pela vaga
fascista. Intelectuais de prestígio viram-se arrastados pelas hordas fascistas
que não percebiam nada de filosofia.[39]
8.
A «Vida», noção mística formulada em vários
tons: biologistas ou, ao invés, espiritualistas. Fonte da “Verdade” e da
“existência autêntica”. Estas e outras elucubrações apaixonaram professores e
estudantes, desejosos uns de uma carreira mais proveitosa e, outros, de
heroísmos juvenis. Uma intelectualidade que declamava Sorel e Maurras (não
tardaria muito a declamar Heidegger) inconsequente e errática. O potencial
crítico dos modernistas, futuristas e outros vanguardistas, esvaiu-se, com
raras e magníficas exceções, no pantanal de horrendas ditaduras, ora porque as
quiseram, ora porque desertaram das barricadas. Crise da consciência burguesa. A
burguesia, então “classe média”, que produziu o Iluminismo, o materialismo, o
empirismo, as grandes utopias do século XVIII, abrindo caminho para as
revoluções e para a crença no Progresso, cedendo o mando à alta burguesia industrial
e financeira triunfante, um século mais tarde passou à reação contra as
filosofias materialista e socialista, à erosão dos valores que outrora sustentaram
a sua ascensão social. Em Portugal, diferentemente de boa parte da Europa, no
período histórico ocupado pela Primeira República, não se manifestam
praticamente nenhuns sinais na intelectualidade de defesa intransigente do
materialismo filosófico. Correntes irracionalistas tendem a hegemonizar o campo
das disputas ideológicas e o racionalismo defensivo não ultrapassa os
parâmetros do idealismo.[40]
9.
A generalidade dos dirigentes e intelectuais da
social-democracia andaram alvoraçados na esperança de disfrutar dos benefícios
da integração no sistema (vimos isso na República de Weimar e sob a Frente Popular em França). Sem que
desprezemos as melhorias que introduziram e a recusa, por vezes corajosa, do
nazi-fascismo, não souberam, ou não quiseram, criar pontes à esquerda. É
verdade que na Esquerda o radicalismo sectário também não ajudou muito, contudo
convenhamos que a repressão da contestação operária movida pelos políticos
social-democratas e a vergonhosa atitude relativamente à República espanhola
não facilitou as coisas.
10.
Os regimes nazi-fascistas não se repetirão na
Europa contemporânea, com as mesmas formas (com formas idênticas o que se
repete é já uma farsa). É o seu conteúdo, as suas finalidades, os elementos da
sua ideologia, que poderão repetir-se. Porque em grande parte estão cá! Estão
na ditadura das grandes potências, na ditadura desta União Europeia.[41]
Estão na poderosa e insidiosa propaganda que “justifica” as intervenções
militares do imperialismo, com a qual se distorcem, conforme as conveniências
de quem manda, os princípios e a prática democrática e se fabrica o
consentimento. Não está exclusivamente nos partidos da extrema-direita que
agitam e manipulam sentimentos de insegurança contra refugiados e imigrantes;
está no capitalismo neoliberal imperialista e neocolonialista que provoca
guerras horrendas e a maior vaga de refugiados de que há memória. Está no
desemprego e subemprego, na exclusão e no trabalho precário, está na periferia
degradada e pobre das metrópoles. Está na profunda desigualdade entre as
classes. Está na ditadura financeira das potências europeias sobre os países do
sul, na chantagem, nas políticas neoliberais de “austeridade”. Está nos valores
de uma cultura industrial e comercial, consumista, vendida pela indústria do
espetáculo e da publicidade, que desarma e desune os cidadãos, destrói as
tradições regionais e a produção autónoma de cultura. Está nos intelectuais e
nas academias (incluindo polos financiados pela CIA) que difundem os
irracionalismos conservadores, desfigurando o legado iluminista do valor
intrínseco dos métodos racionais de conceber e agir, substituindo projetos
emancipatórios de um futuro melhor por distopias ou utopias “libertárias” que o
Sistema captura e integra com toda a facilidade em seu proveito.[42]
Os políticos do Sistema servem-se do espantalho do fascismo para assustar o
eleitorado. Eles criam as condições para os fascismos e, até ver, tiram
proveito do susto. A Europa dominada pela “democracia” norte-americana, não
necessita, por ora, de Hitler ou Mussolini; basta-lhe a chantagem do empréstimo
e da dívida, e das armas de que dispõe (mas não é de excluir figurões à moda de
Trump). Basta-lhe conservar uma aparente democracia nos seus próprios países
(máquinas de produção de consentimentos) e praticar uma política nazista nas
zonas do planeta onde os seus interesses económicos estiverem ameaçados. Os
avós dos atuais israelitas foram dizimados em câmaras de gás; os seus netos
alvejam a tiro crianças nos guetos da Palestina…
11. “ O fascismo é a ditadura terrorista
dos círculos mais reacionários e agressivos do capital financeiro. Hitler foi
um instrumento dos monopólios alemães que alimentaram, apoiaram e lucraram com
a criminosa política nazi, incluindo com a mão-de-obra escrava dos prisioneiros
dos campos de concentração. Nada disto pode ser esquecido. As tentativas para
apagar as responsabilidades do grande capital na hecatombe da Segunda Guerra
Mundial e esconder a natureza de classe do nazi-fascismo devem ser fortemente
combatidas. (…) Devem ser firmemente rejeitadas operações de falsificação da
História que visem apagar, diminuir ou deformar a heroica contribuição do
movimento operário, dos comunistas e da União Soviética para a derrota do
nazi-fascismo e absolver os EUA, a Grã-Bretanha e a França da política de
“apaziguamento” simbolizada pela traição de Munique que, procurando encaminhar
a Alemanha nazi contra a URSS, conduziu ao desencadeamento da guerra.» (nota do
Secretariado do CC do PCP (Abril de 2015) a propósito do 70º Aniversário da
Vitória sobre o nazi-fascismo)
NOZES
PIRES
Torres
Vedras, Fevereiro-Abril 2017
Bibliografia
escolhida:
HOBSBAWM,
Eric, A Era dos Extremos, História breve
do século XX, 1914-1991, Editorial Presença, Lisboa, 1996.
PELZ,
William, A., História do Povo da Europa,
Moderna, Editora Objectiva, Lisboa, 2016
LOFF,
Manuel, «O Nosso Século é Fascista!»,
Editora Campo das Letras, Porto, 2008
CUNHAL,
Álvaro, Obras Escolhidas, Edições
Avante! Lisboa
DROZ,
Jacques, direção, História Geral do
Socialismo, Volumes 4 e 5, Editora Horizonte Universitário, Lisboa, 1979
SASSOON,
Donald, Cem anos de Socialismo,
Editora Contexto, Lisboa, 2001.
LOSURDO,
Domenico, Stalin, Histpria y crítica de
una leyenda negra, El Viejo Topo, Espanha, 2011; Le révisionnisme en histoire, Problèmes et mithes, Bibliothèque
Albin Michel Histoire, Paris, 2006
DICIONÁRIO
DO PENSAMENTO MARXISTA, editado Por Tom BOTTOMORE, Gorge Zahar Editor, Rio de
Janeiro, 1988.
HISTÓRIA
DO PENSAMENTO FILOSÓFICO PORTUGUÊS, Direção de Pedro Calafate, O Século XX,
Tomos 1 e 2, Editorial Caminho, SA, Lisboa, 2000.
HISTÓRIA
DE PORTUGAL, Direção de José Matoso, Sexto e Sétimo volumes, Lisboa, 1994.
[1] O Pavilhão Púrpura (excertos)
«O comissário
político virou-se para olhar para os seus homens, como se buscasse
consentimento. Voltando a encarar o camponês, assoou-se com as costas da mão.
“Então vais
levar com a pyatikratka”, anunciou. “Terás de entregar cinco vezes o valor da
tua quota.”
O camponês arregalou os olhos, apanhado de
surpresa pela penalização.
“Cinco
vezes? Mas…mas se não tenho nem uma!”
“Se não
cumprires a pyatikratka, serás condenado a um ano de trabalhos forçados.”
“O quê?”
Ignorando a reação chocada do agricultor, o comissário
político virou as costas e fez sinal aos milicianos que o acompanhavam.
“Levem
tudo!” (p.94)
------ “A
revolução passa pela coletivização!”, dizia o comissário político, de punho no
ar. “ Com os kolkhozy e os sovkhozy, os camponeses sem terras passam a possuir
terra. A produção irá disparar, atingindo assim os objetivos sabiamente
traçados pelo comité central no visionário plano quinquenal que a todos trará
prosperidade. O camarada Estaline disse que…”
“A
coletivização é um embuste!”
O grito foi lançado
por uma voz feminina e provocou o silêncio absoluto na capela.»
…
“Põem as
nossas famílias em comunas para nos tirarem os filhos. Não só nos roubam as
terras e o pão como também nos querem agora roubar a família! Não podemos
aceitar isso!” (pp. 348-9)
Os
comunistas soviéticos e chineses são tratados como “anões” e “bandidos”…a
“natureza malévola” de uma “ideia”: o comunismo.
[2] «O fascismo tem mesmo origem no marxismo.» «O que é exatamente o marxismo?
As sucessivas revisões, protagonizadas por Bernstein, Kautsky, Sorel, Bauer,
Lenine, Trotsky, Estaline, Mao e tantos outros, apresentando tantas e cada vez
maiores diferenças entre elas e cada uma a reivindicar-se a legítima sucessora,
podem ser consideradas marxismos? O que é o leninismo? O leninismo prevê a
passagem direta do feudalismo para comunismo, como defendia Lenine até certa
altura, ou prevê a fase intermediária do capitalismo, como Lenine pareceu
defender quando posteriormente criou a NEP? E o que é o fascismo? Até que ponto
um revisionismo ainda é marxista e a partir de que ponto deixa de o ser?» «Os
fascismos opunham-se aos marxismos por vários motivos, mas não devido ao
socialismo, que perfilhavam como o próprio Mussolini esclareceu e que consta da
expressão “nacional-socialismo”.» «Ora, as origens de um
sistema de pensamento são em geral múltiplos e variados, como acontece com o
nazismo» (Expresso, 5.06.2016)
[3] Ver:
ANDERSON, Perry, Consideraciones sobre el
marxismo ocidental, Siglo XXI de España Editores, S.A., 1979, Reimpressão
2012. DROZ, Jacques, História Geral do
Socialismo, v.4, A social-democracia na Áustria-Hungria (1867/1914), Livros
Horizonte, 1979.
[4] El fascismo, in Fascismo y capitalismo, Ediciones Martinez Roca, S.A., Barcelona,
1972
[5] In Fascismo y Capitalismo, Teorias sobre los
orígenes sociales y la función del fascismo, O. Bauer, H. Marcuse,, A.
Rosemberg, Editiones Martínez Roca, Barcelona, 1972. Marcuse, no seu artigo «La
lucha del liberalismo en la concepción totalitária del estado», sustenta que o
propósito fundamental do Estado democrático burguês e do Estado fascista é o
mesmo: conservar o capitalismo. «A nova ideologia [nazi-fascista] […]
serve somente para ocultar que se respeitaram integralmente as funções
económicas do burguês.»
[6] Sobre os
“revisionistas históricos” ver Wolin, Richard, Labirintos, Em torno a Benjamin, Habermas, Schmitt, Arendt, Derrida,
Marx, Heidegger e outros, Instituto Piaget, Lisboa, 1995. A visita foi um
escândalo, pois nesse cemitério verificou-se que estavam enterrados dezenas de
militares nazis…
[7] Sobre
estes temas e documentos ver o site
“Pelo Socialismo-Questões político-ideológicas com atualidade”
http:www.org/pelosocialismo/
[8] Sobre “a
questão nacional” são incontornáveis os textos que Lenine lhe dedicou. Ver: V.I.
LÉNINE, «Sobre o direito das nações à autodeterminação», Obras Escolhidas, T. 1,
Edições Progresso- Moscovo- Edições «Avante!»- Lisboa,1981.
[9] Contudo,
a sua economia voltou a estagnar antes da II Guerra Mundial.
[10] Sobre
este assunto ver a obra largamente documentada de MANUEL LOFF, «O nosso século é fascista!», O mundo visto por SALAZAR e FRANCO
(1936-1945), Campo das Letras, Porto, 2008
[11][11]
«Les opportunistes (et les transfuges du parti ouvrier, tel Mussolini) […]»,
V.I. Lenine, Que Faire Maintenant?,Janeiro de 1915.
[12] PELZ,
WILLIAM A., História do Povo da Europa
Moderna, Ed. Objectiva, Lisboa, 2016, p.145.
[13] A
Internacional Comunista, no seu VII Congresso realizado em 1935, caracterizou
acertadamente o carácter de classe do fascismo, considerando-o a «ditadura
terrorista aberta dos elementos mais reacionários, chauvinistas e imperialistas
do capital financeiro.»
[14] Ver
PODMORE, Will, The War Against the
Working Class, https://books.google.pt/books?isbn=1503531104.
MARTENS, Ludo, Um Outro Olhar sobre Stáline www.marxiststsfr.org/portugues/martens/1994/olhar/index.htm
e www.hist-socialismo.com/docs/umOutroOlharStaline.pdf.
Livro: MARTENS, Ludo, Stalin-Um novo
olhar, Ed. Revan, 2003.
[15] Sobre
estes assuntos ver PARENTI, Michael, Le
Mythe des jumeaux totalitaires. Fascisme méthodique et renversement du
communisme, Éditions Delga, Paris.
[16][16]
Furr, Gover, in
averdade.org.br/2011/acusações-de-Khruschev-contra-stalin-são-falsas/
[17] Sobre
Estaline ver LOSURDO, Domenico, Stalin, Historia y crítica de una leyenda
negra, ed. El Viejo Topo, Espanha, 2011. GROVER, Furr, Blood Lies, 2014.
[18] Sobre a
morte de Serguei Kirov, dirigente de Leninegrado (1934), ver Murder of Sergei Kirov, Grover Furr,
2013
[19] Nikolai
Bukharine foi reabilitado nos anos oitenta. Qual a parte forjada das suas
terríveis confissões? Não se encontraram provas. As suas “Confissões” ou declarações
durante o seu julgamento encontram-se disponíveis em www. hist-socialismo.com/docs/confissaobukharin.pdf. Lenine
simpatizava manifestamente com Bukharine, contudo não hesitava em zurzir algumas
das posições deste. Redator-chefe do Pravda e do Izvestia, membro do Politburo,
teórico marxista notável. Confessou ser um dos responsáveis pela tentativa de
assassinar Estaline. Foi crítico da «Oposição de esquerda» (Trotsky) mas,
poucos anos depois foi um dos mentores da «Oposição de direita» (socialismo “gradualista”
com forte presença do capitalismo). No tom e teor das suas declarações
(confissões) não se vislumbram sinais de ter sido barbaramente torturado…Se a
conspiração tivesse tido êxito, Estaline seria executado, assim como os seus
colaboradores leais, desencadear-se-ia pelos conspiradores uma purga sem
medida, ou mesmo guerra civil, os nazis aproveitariam a oportunidade e a União
Soviética seria destruída.
[20] https://www.marxists.org/portugues/stalin/biografia/ludwig/constituiçao.htm
[21] O
«Discurso secreto» de Khruschev encontra-se disponível em espanhol e inglês- https://www.marxists.org/espanhol/khruschev/1956/febrero25.htm.
[22] Sobre o
papel contrarrevolucionário de Trotsky ver Trotsky`s Lies-What They Are, and
What They Mean Grover Furr…https://msweb.montclair.edu/~furrg/research/gf_tatalk_bj16.pdf
[23] In
averdade.org.br/2011/acusações-de-khruschev-contra-satalin-são-falsas/
[24]
Seguimos, passo a passo tanto quanto possível, o texto de Grover Furr, Estaline e a Luta pela Reforma
Democrática, Parte I. Stalin and the
struggle for Democratic Reform, Part One, clogic.eserver.org/2005/furr.html. Grouver Furr é um académico
norte-americano que publicou o livro provavelmente mais importante sobre
Kruschov e Estaline: «Khrouchtchev A Menti», Ed. Delga, 2014. Durante um debate
público em resposta a ataques de que estava a ser alvo pelo seu livro «Khrushev
Lied», afirmou: «I have spent many years researching this and similar questions
and I have yet to find one crime that Stalin comitted.».
[25] É a
opinião de Perry ANDERSON, Considerações
sobre o Marxismo Ocidental, Afrontamento, Lisboa. De L. TROTSKY: Revolução e Contra-Revolução na Alemanha;
Que é o nacional-socialismo? (1933);
O Marxismo de Nosso Tempo (1939)
[26] BAUER,
Otto, El fascismo, in Fascismo y capitalismo, Ediciones
Martinez Roca.
[27]
DICIONÁRIO DO PENSAMENTO MARXISTA, Jorge Zahar Editor.
[28] É
manifesta a simpatia de Pessoa pela ideologia em voga, irracionalista,
messiânica, nacionalista. Outro grande artista (de um escol que subverteu as
artes), Almada Negreiros, haveria de se instalar tranquilamente no “Estado Novo”,
pela mão hábil de António Ferro.
[29] Resumir
é sempre subtrair. Não é possível em poucas frases caracterizar um período em
que proliferaram publicações de todo o género e em que sobressaiu um escol de
intelectuais (filósofos, artistas, jornalistas) como nunca se vira em tal
número e diversidade. Não foram poucos aqueles maiores que se opuseram à
ditadura militar e ao salazarismo e sofreram com isso nas suas vidas. Quando
digo que as correntes irracionalistas hegemonizaram o campo ideológico não
identifico de modo nenhum o “criacionismo” de Leonardo Coimbra, o “vitalismo”
de Raul Proença e o “existencialismo” de Raul Brandão, com o reacionarismo dos
“integralistas lusitanos”…
[30] A minha
geração foi obrigada a “decorar” o manual único (a versão mais completa foi de
Adelino A. Marques de Almeida) da famigerada «Organização Política e
Administrativa da Nação», receituário fascista dos deveres dos súbditos de Suas
Majestades A. De Oliveira Salazar e Marcelo Caetano; fascista porque
“corporativista” à italiana, apesar da cosmética Constituição Política a qual,
aliás, não era cumprida no que respeitava às liberdades; a filosofia política
da chamada “Doutrina Social da Igreja” estava completamente conforme os
preceitos da ditadura em Portugal, enquanto na Itália do pós-guerra (isto é, da
derrota) serviu de programa ao novo Partido democrata cristão: a mudança oblige. O liberalismo é fortemente
criticado nas Encíclicas papais, porém passa a ter outra interpretação pelas
Direitas parlamentares…
[31] Quem,
da minha geração, se esqueceu dos livros para a escola primária? Daquele,
sobretudo, que se intitulava “A lição de Salazar”?
[32] «O
golpe militar de 1926, que levou à instauração da ditadura fascista, foi
preparado e executado pelas forças reacionárias do grande capital e dos grandes
agrários. O objectivo foi por o aparelho do Estado ao seu serviço, arredando do
poder a pequena e média burguesia, travar o movimento operário.» CUNHAL,
Álvaro, Rumo à Vitória, in Obras Escolhidas, III, 1964-1966,
Edições Avante! Lisboa, 2010, p. 13.
[33] «Ele [o
Estado]
é antes um produto da sociedade num estádio determinado de desenvolvimento; é o
reconhecimento de que esta sociedade está enredada numa insolúvel contradição
consigo própria, que se cindiu em oposições inconciliáveis de que ela é incapaz
de se livrar. No entanto, para que essas oposições, classes com interesses
económicos em conflito, não se consumam a si próprias e à sociedade numa luta
estéril, tornou-se necessário um poder situado aparentemente acima da sociedade
para abafar o conflito e mantê-lo dentro dos limites da «ordem»; e esse poder
surgido da sociedade mas que se coloca acima dela e se aliena cada vez mais
dela é o Estado.» ENGELS, F., Obras Escolhidas, Tomo 3, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, p. 366,
Edições Avante!-Edições Progresso.
[34] «Somos
pela república democrática como melhor forma de Estado para o proletariado sob
o capitalismo, mas não temos o direito de esquecer que a escravatura
assalariada é o destino do povo mesmo na república burguesa mais democrática.
Mais ainda. Qualquer Estado é uma «força especial para a repressão» da classe
oprimida. Por isso, qualquer Estado não é livre, nem do povo. Isto foi explicado muitas vezes por Marx e Engels aos
seus camaradas departido nos anos 70.» LENINE, V.I., OBRAS ESCOLHIDAS, T. 2,
Edições do Progresso-Edições «Avante!», Lisboa, 1981,p. 235.
[35] Sobre
este assunto ver MORO, Domenico, A Crise
do Capitalismo e Marx, Resumo de O Capital com referência ao século XXI,
ed. Página a Página, Lisboa, 2016, p.141.
[36] Sobre
esta matéria de discussão é contundente o livro do filósofo Michel CLOUSCARD, Néo-fascisme et idéologie du désir,
Éditions Delga, 2015.
[37] Sobre
este tema ver LENINE, Obras Escolhidas, Tomo 2, Edições Avante!, Lisboa, 1981,
pp. 572-577
[38] Sem um
conhecimento rigoroso do que foi a experiência da transição para o socialismo
na União Soviética é muito difícil elaborarmos uma teoria do Socialismo.
Cometeram-se erros posteriormente por imitação estrita do “modelo soviético”
(curiosamente os sovietes haviam
perdido há muito qualquer protagonismo real no Estado). Alguns argumentos
costumam ser avançados: na União Soviética o modelo “fordista” de produção
funcionou muito bem nos anos trinta e quarenta; a passagem, mais tarde, para um
modelo de produção intensiva (e não extensiva) entrou em estagnação por falta,
sobretudo, da autogestão pelos trabalhadores, ou, se preferirmos, de liberdades,
de participação, e por causa da continuada fusão Partido-Estado. No entanto,
não estou de acordo com José Paulo Netto quando afirmou (ver Palestra no
Youtube «Socialismo na URSS») que sob Estaline não se verificou um novo modo de
produção, o que pressuporia a continuação do modo de produção capitalista.
Realizou-se de facto, a meu ver, a experiência de um modo de produção inovador,
sem resquício algum de capitalismo (exceto a NEP durante a liderança de Lenine),
muito embora faltando-lhe aspetos fundamentais da democracia socialista.
[39] Para
este tema os estudos publicados pelos membros da Escola de Frankfurt são de
leitura obrigatória, tanto mais que foram elaborados no calor dos
acontecimentos. Ver também de LUKÁCS, George, A destruição da Razão; e
de H. MARCUSE, o artigo La lucha del
liberalismo en la concepción totalitária
del Estado, in Fascismo y capitalismo,
Ob. cit., uma importante e ainda atual análise dos irracionalismos.
[40] Ver:
VILHENA, Vasco Magalhães, António Sérgio-
O Idealismo Crítico: Génese e Estrutura, Edições Colibri, Lisboa.
[41] A
chamada Front National francesa anda
agora a criticar a EU, quando ainda não há muito tempo, a defendia. De resto,
já foi advogada do ultra-liberalismo, agora é do protecionismo, já foi
pujadista (antigos torcionários na guerra da independência da Argélia),
criticou depois a invasão do Iraque; já foi contra o Estado Social, agora fala
em medidas estatais assistencialistas…O partido de Marine Le Pen, gozando de um
extenso apoio eleitoral, apresenta-se muito diferente do partido que fora
fundado pelo pai; não mostra no seu programa eleitoral sinais relevantes de
fascismo, alguns aspetos são até social e politicamente justos,
comparativamente com a Direita dita «republicana» que inclui o PSF, que se
situa (e atua) como extrema-direita…Se excluirmos os partidos ostensivamente
neo-nazis europeus (Grécia, Holanda, Áustria, Hungria, Polónia, países
bálticos), o neo-fascismo está nas políticas do ultra-liberalismo.
[42] Sobre o
neofascismo contemporâneo ver CLOUSCARD, Michel, Néo-Fascisme et idéologie du désir, Éditions Delga, Paris, 2015.
J. A. NOZES PIRES
Torres Vedras, 2017
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